Leonardo Boff

Crer em tempos de pandemia? (1ª parte)

A humanidade, sob o ataque do coronavírus, experimenta muito sofrimento. A intrusão desse vírus que já levou mais de um milhão de pessoas, suscita toda uma gama de interrogações: que significa o fato de ter afetado somente os seres humanos e ter poupado nossos animais de estimação como cãe e gatos e outros? Estar no isolamento social, não poder abraçar e beijar as pessoas queridas e não poder conglomerar-se amigavelmente produz padecimentos de toda ordem e até revolta.
Neste contexto há pessoas, mesmo sem uma inscrição religiosa, que acolhem um Sentido maior da vida e do mundo, lutam pela justiça, pelo direito e pela melhoria mínima de nossa sociedade e até aquelas que creem em Deus se perguntam: qual o sentido deste abatimento planetário? Produziu-se um apagão. Gente de fé pode, inclusive, não crer mais em Deus. Outros, entretanto, encontram na fé um sustentáculo existencial que torna menos pesada esta situação de confinamento e de ausência dos outros ao seu redor. E procuram tirar lições de vida.
Vamos refletir sobre a fé em seu sentido mais comezinho, antes de qualquer confissão religiosa ou de doutrinas e de dogmas, a fé em sua densidade humana.
Há um dado existencial prévio à emergência da fé: a bondade fundamental da vida. Por mais contraditória que se apresente a realidade, por mais absurdo que seja o ataque da Mãe Terra contra humanidade através do Covid-19 vigora em nós a convicção de que vale mais a pena viver do que morrer. Dou um exemplo tirado da vida cotidiana: uma criança acorda na noite, sobressaltada, por um pesadelo ou pela escuridão. Grita pela mãe. E esta num gesto da magna mater toma-a no colo e carinhosamente lhe sussurra: querida, tudo está bem, mamãe está aqui, não tenhas medo. E a criança entre soluços reconquista a confiança e um pouco mais e mais um pouco novamente adormece.
No mundo nem tudo está bem. Mas convenhamos, a mãe não está mentindo à criança. Apesar de todas as contradições, predomina a confiança de que uma ordem maior subjaz e prepassa a realidade. Ela impede que o absurdo predomine. Ela traz sossego à criança e serenidade à mãe.
Crer é dizer “sim e amém” à realidade. O filósofo L. Wittgestein podia dizer em seu Tractarus ligico-philosophicus (n.7): “Crer é afirmar que a vida tem sentido”. Este é o significado originário e bíblico de fé -he’emin ou amen – que equivale a estar seguro e confiante. Daí se deriva o amém:”é isso mesmo”. Ter fé é estar seguro no sentido da vida. Este é um dado antropológico de base: nem pensamos nele, pois estamos sempre dentro dele pois inconscientemente admitimos que vale a pena viver e realizar um propósito.

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