Leonardo Boff

Lamento de cativeiro e de libertação: dia da consciência negra (Final)

Eu fui arrancado violentamente de minha pátria africana. Conheci o navio-fantasma dos negreiros. Fui feito coisa, peça, escravo. Fui a mãe-preta para teus filhos. Cultivei os campos, plantei o fumo e a cana. Fiz todos os trabalhos. Fui eu que construí a belas igrejas que todos admiram e os palácios que os donos de escravos habitavam. E tu me chamas de preguiçoso e me prendes por vadiagem. Por causa da cor da minha pele me discriminas e me tratas ainda como se continuasse escravo.
Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Eu soube resistir, consegui fugir e fundar quilombos: sociedades fraternais, sem escravos, de gente pobre mas livre, negros, mestiços e brancos. Eu transmiti apesar do açoite em minhas costas, a cordialidade e a doçura à alma brasileira. E tu enviaste o capitão do moto para me caçar como bicho, arrasaste meus quilombos e ainda hoje impedes que a abolição da miséria que escraviza, seja para sempre verdade cotidiana e efetiva.
Eu te mostrei o que significa ser templo vivo de Deus. E, por isso, como sentir Deus no corpo cheio de axé e celebrá-lo no ritmo, na dança e nas comidas. E tu reprimiste minhas religiões chamando-as de ritos afro-brasileiros ou de simples folclore. Invadiste meus terreiros, jogando sal e destruindo nossos altares. Não raro, fizeste da macumba caso de polícia. A maioria dos jovens assassinados nas periferias, na idade entre 18 e 24 anos são negros, pelo fato de serem negros ou suspeitos de estarem a serviço das máfias da droga. A maioria deles são simples trabalhadores.
Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Quando com muito esforço e sacrifício consegui ascender um pouco na vida, ganhando um salário suado, comprando minha casinha, educando meus filhos, cantando o meu samba, torcendo pelo meu time de estimação e podendo tomar no fim de semana uma cervejinha com os amigos, tu dizes que sou um negro de alma branca diminuindo assim o valor de nossa alma de negros dignos e trabalhadores. E nos concursos em igual condição quase sempre tu decides em favor de um branco.
E quando se pensaram políticas que reparassem a perversidade histórica, permitindo-me o que sempre me negaste, estudar e me formar nas universidades e nas escolas técnicas assim melhorar minha vida e de minha família, a maioria dos teus grita: é contra a constituição, é uma discriminação, é uma injustiça social.
Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: Que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!”
Meus irmãos e irmãs negros, nesse dia 20 de novembro, dia de Zumbi e da consciência negra quero homenagear todos vocês que conseguiram sobreviver porque a alegria, a música e da dança está dentro de vocês, apesar de toda a via-sacra de sofrimentos que injustamente lhes são impostos.
Com muito axé e amorosidade
Leonardo Boff branco, mas negro por opção

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