Leonardo Boff

O que sobra depois de não sobrar nada? (Final)

O quarto passo é o autofortalecimento. Operamos uma espécie de negociação com a frustração e a depressão. Essas coisas sinistras pertecem à vida com suas contradições. Não podemos afundar nem perder nossos projetos e sonhos. Precisamos reerguer as casas de Brumadinho. A Vale, empresa privada que pensa mais nos lucros que nas pessoas, tem que tirar duras lições para evitar novos crimes ambientais. O luto deve gerar pressões por parte do povo e novas iniciativas. Podemos sair mais fortalecidos do luto.
O quinto passo é a aceitação dolorosa do fato incontornável. O luto deve passar da frente dos olhos para trás da cabeça, apesar das imagens inapagáveis do crime. Ninguém sai do luto como entrou. Amadurece à duras penas e experimenta que, no caso do novo governo brasileiro de direita, nem toda perda é total: ela traz sempre um ganho social e político.
Todo luto configura uma travessia paciente. Parece que nossas estrelas-guia se apagaram. Mas o céu continua a iluminar nossas noites escuras. As nuvens podem encobrir o Cristo Redentor do Corcovado, mas ele continua lá. Mesmo sem vê-lo, cremos em sua presença. Bolzonaro também passará. O Cristo, não. Enxugará as lágrimas dos familiares que sofrem.
Com referência ao nossa situação política, há que se reconhecer que nossa árvore foi mutilada: cortaram a copa, arrancaram as folhas, destruíram as flores e os frutos, cerraram seu tronco e arrancaram as raízes. O que sobrou depois de não sobrar nada? Sobrou o essencial que o luto induzido não consegue destruir: sobrou a semente. Nela, em potencial, estão as raízes, o tronco, as folhas, as flores, os frutos e a copa viçosa.
Tudo pode recomeçar. Recomeçaremos, mais seguros porque mais experimentados, mais experimentados porque mais sofridos, mais sofridos porque mais dispostos para um novo sonho. O luto passará. Será tempo de refazimento de um Brasil mais cordial, solidário, justo e hospitaleiro.

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