A safra 2004/2005 da carcinicultura catarinense prometia bater todos os recordes de produção, geração de empregos e receita. No ano anterior, a produção havia superado quatro mil toneladas e o setor profissionalizava-se constantemente, através de um marcante apoio governamental, deixando otimistas produtores, técnicos e as comunidades adjacentes às fazendas. No início de novembro de 2004, grande parte dos 1.231,29 hectares da região Sul do Estado, distribuídos em 368 viveiros, já estavam povoados ou em fase final de preparação para povoamento. Em um sábado de primavera, dia 06 de novembro de 2004, uma ligação telefônica feita por um funcionário de uma fazenda do município de Imaruí, angustiou os seus proprietários – os camarões de cultivo estavam apresentando um comportamento diferente, nadando lentamente pela superfície da água e morrendo logo em seguida, nas margens dos viveiros. Naquele momento, iniciavam-se as primeiras mortalidades registradas no Brasil (e no Oceano Atlântico!) causadas pelo Vírus da Síndrome da Mancha Branca (WSSV na sigla em inglês). A partir daquele ano, a região Sul de Santa Catarina, principal área de produção de camarões marinhos do Estado, com 92 fazendas em operação, testemunhou o surpreendente colapso de sua principal indústria aquícola. Somente no município de Laguna, sucumbiram cerca de mil postos de trabalho com carteira assinada. O objetivo de nossa coluna semanal, de forma alguma, seria o de comemorar a data próxima que representa o aniversário de 12 anos da “Mancha Branca” no Brasil. Por outro lado, vale lamentar que há 12 anos nenhuma alternativa economicamente viável tenha sido implantada em nossa região, de forma concreta e duradoura. Nos anos seguintes às primeiras mortalidades, produtores, técnicos e os mais diferentes atores desta importante cadeia produtiva ficaram mais preocupados em apontar de quem foi a culpa pela enfermidade ter surgido na região de Laguna e/ou em todo o litoral catarinense, do que pensando verdadeiramente em soluções e alternativas tecnológicas inovadoras para que as fazendas não ficassem ociosas, como aí estão, até os dias atuais. As contendas, nos bares ou até mesmo na justiça, logicamente, não levaram alugar algum. Importante ressaltar, a mancha branca não é uma exclusividade lagunense. Hoje, praticamente todos os estados brasileiros que cultivam o camarão marinho Litopenaeus vannameitentam conviver com esta doença, além de mais de 50 países produtores de camarão em diferentes continentes. Vale também o registro de que Laguna tornou-se, da noite para o dia, a capital mundial de especialistas em cultivo e doenças de camarão! Foi um tal de “eu não disse??” e “eu já sabia!!” no município, que nada ajudou na superação dos reais problemas dos carcinicultores e no enfrentamento da grava crise socio econômica instalada. Em Laguna e região, algumas alternativas à carcinicultura tradicional surgiram a partir dos anos 2005/2006 em diante, mas nenhuma opção logrou êxito (por longo período). Linhagens de camarões resistentes a enfermidades virais, policultivos e cultivos de tilápias nos viveiros abandonados, tentativas com peixes marinhos, cultivos biosseguros de Litopenaeus vannamei em alta densidade, cultivos extensivos do L. vannamei, etc. Muito esforço e bastante dinheiro foram investidos por corajosos produtores, técnicos e novos investidores que persistiam em dar vida e continuidade aos seus sonhos. Muita paixão e perseverança foram desprendidas, em detrimento inclusive da razão em certos momentos, quando o melhor realmente era abandonar a atividade, desistir. Mas sempre houve, para aqueles destemidos produtores e técnicos, uma luz no fim da “comporta”. Raul Seixas já dizia que “Sonho que se sonha só, é só um sonho. Mas o sonho que se sonha juntos é realidade”. Neste quesito, a UNIÃO entre os diferentes elos da cadeia produtiva da carcinicultura local não foi, lamentavelmente, uma palavra ou uma prática comum neste período. Cada um puxava a corda para o seu lado. Se o grupo “A” tentava produzir tilápias, o grupo “B” criticava, e assim por diante. O fato é que tudo que se tentou fazer até então, poderia e pode dar certo nas fazendas de cultivo da região do Complexo Lagunar Sul. Podem-se produzir tilápias (sem entrar nas questões do licenciamento ambiental), peixes marinhos diversos (tainhas, robalos, borriquetes, etc.), praticar policultivos e consórcios, cultivar camarões de forma intensiva, enfim, nada foi tão utópico, quanto pareceu aos olhos dos mais pessimistas. Como comprovar esta afirmação? É só olhar como a Ásia responde por mais de 90% da aquicultura mundial. A mancha branca, por exemplo, surgiu lá em 1992 e já foi superada há tempos. Peixes marinhos como garoupas, por exemplo, eles cultivam atrás de casa, assim como nós produzimos em nossas hortas legumes e temperos. Os povos asiáticos cultivam peixes desde o tempo em que os índios Carijós construíam seus sambaquis em nossas terras. Difícil competir? Mas deveria ser mais fácil aprender com eles! De fato, é importante que a região de Laguna tenha um norte, um foco. Definir o que seria o ideal? Tarefa difícil. O primeiro passo, talvez sejam os produtores voltarem a se reunir. A Associação Catarinense dos Criadores de Camarão (ACCC), agora sob nossa gestão, precisa retomar suas atividades. Instituições públicas e privadas interessadas em participar desta nova fase da aquicultura do Sul do Estado de Santa Catarina devem-se fazer presentes. Da nossa parte, podemos dizer que a UDESC está à disposição. Mãos a obra!
Esta coluna é elaborada por professores do Grupo de Pesquisa em Aquicultura (GPAq) e do Grupo de Tecnologia e Ciência Pesqueira (TECPESCA) do Departamento de Engenharia de Pesca da UDESC.