A fase mais crítica já passou. Inquestionavelmente, deixou algumas cicatrizes. No entanto, conforme consenso entre alguns especialistas, “foi um mal que veio para o bem”. Opinião a qual este colunista pactua. E vou além: é o início de uma nova fase na carcinicultura brasileira. Com alguns diferenciais: mais profissional, mais tecnificada e o mais importante, absurdamente sustentável.
Sim meus amigos, sinto-me confortável para afirmar que a produção de camarão marinho no Nordeste do Brasil está caminhando, a largos passos, rumo a produção de proteína animal mais eficiente do mundo. Digo isto com o olhar de um profissional da produção animal imbuído da nobre missão de encontrar soluções para atender parte da crescente demanda por alimentos mundo afora. E convencido que o Brasil será, se já não é, o principal player deste desafio.
E tem mais coisa interessante envolvida nesta nova fase da carcinicultura brasileira. A tilápia! Sim, criação de camarão marinho integrado com tilápia. Seja nos sistemas intensivos ou extensivos a tilápia tem sido decisiva para convivência com a mancha branca. Mas pensando na tilápia, tal produção integrada só seria viável em fazendas com baixa salinidade? Não. Até 38 – 40 de salinidade, a valente tilápia tem se saído bem!
E o que significa <10 ou >150? Significa os extremos no que se refere às densidades de povoamento. Há forte tendência de não mais haver criações com 20, 30 ou 40 camarões por m². Exceto algumas fazendas em específico, o que se tem observado no campo são criações extensivas com até 10 camarões por m² ou os intensivos e superintensivos com mais de 150 por m² (tecnicamente o mais correto seria m³, mas por enquanto tem se usado m²). Em alguns caso, até 400 camarões por m².
Investir em sistemas extensivos, ou seja, com baixa densidade de estocagem, não significa abrir mão de tecnificação. Estabilidade do ambiente de criação, seja extensivo ou intensivo, é palavra de ordem. E aí, acompanhamento dos parâmetros de qualidade de água, aeração adicional e reutilização da água estão sendo imperativos, mesmo nos sistemas com pouco camarão por m².
Enquanto que nos sistemas intensivos, onde estamos nos referindo a viveiros com fundo revestido e cobertos com sombrite ou plástico, os mesmos cuidados citados para o sistema extensivo são necessários. Porém, com um adicional: backup do backup! Ou seja, o monitoramento full time do pleno funcionamento dos equipamentos, sopradores e aeradores principalmente, é imprescindível. Via de regra, 10 minutos de pane elétrica pode ser o suficiente para colocar a tal estabilidade dos sistemas intensivos em risco.
Ainda relacionado há determinados sistemas intensivos (existem vários) é importante destacar que alguns ajustes ainda se fazem necessários. Diria que não estão completamente dominados. Falta repetibilidade nos resultados. Ao menos 5 ou 6 resultados positivos, sem ter que antecipar despesca para evitar mortandades, seria o ideal para afirmar que aquele sistema intensivo foi dominado. E isto é específico pra cada fazenda e pra cada módulo ou viveiro dentro de uma mesma área. Fatores como salinidade, temperatura, adoção de boas práticas de manejo, quantidade e nível de patógenos presentes, são decisivos para a manutenção do bem estar dos camarões. Então, protocolos que estão dando certo em determinada fazenda, não necessariamente darão certo em outra. Servem de referência, mas ajustes locais são necessários.
Falando em bem estar animal, esta seria a segunda palavra de ordem. Até porque, a estabilidade do sistema possui efeito direto sobre o bem estar dos animais aquáticos. Seja para aqueles que estamos criando em si ou para os microrganismos benéficos ao sistema.E aí o elemento chave para a manutenção desta estabilidade chama-se: OXIGÊNIO. Sem sombra de dúvidas este elemento tem poder de operar verdadeiros “milagres” nos sistemas aquícolas. Contrariando um pouco ao ensinado nas grades curriculares dos cursos afins, água de cultivo tem sim que voltar para o sistema. Pois, é esta água rica em nutrientes que, após ter sido devidamente oxigenada, dará estabilidade ao sistema.
Reforçando a importância do oxigênio, tem se observado que: na presença de oxigênio as reações de oxidação, estabilidade do pH e a transformação de matéria orgânica em nutrientes desejáveis para o ambiente ocorrem em harmonia, proporcionando condições favoráveis para as produções intensivas. Enquanto que a ausência de oxigênio implica em oscilações de pH, decomposição anaeróbica da matéria orgânica que, por consequência, produção de gás sulfídrico e metano, implicando em completa desestabilidade do sistema.
Lógico que nada disso seria possível sem as bactérias nitrificantes. Neste caso, aí está outra tecnologia que não podemos abrir mão: uso constante de probióticos. Em resumo: água rica em nutrientes + alta população de bactérias + oxigênio = estabilidade do sistema. Consequentemente: bem estar dos animais. Simples? Não! Nem na teoria e muito menos na prática. Porém, possível. E este é o caminho, este deve ser o entendimento. Seja para sistemas extensivos ou intensivos.
Conforme já comentado, os modelos produtivos ainda não estão completamente formatados. Enquanto alguns precisam ajustar para ter repetibilidade, outros já se encontram mais avançados e buscam maior eficiência. Mas uma coisa é certa e volto a afirmar: estamos muito próximos da forma mais eficiente de se produzir proteína animal no mundo. Recheada de conceitos modernos: produção intensiva com sustentabilidade ambiental, viável economicamente tanto para o grande quanto para o pequeno, socialmente justa, pois, ao gerar emprego e renda contribui para o desenvolvimento regional, produção de proteína nobre e com alto valor agregado em áreas que, até então, não se explorava para nenhuma outra forma de produção de alimentos, seja animal ou vegetal.
*Por Fábio Sussel – Zootecnista
Fonte: http://www.aquaculturebrasil.com/2017/09/26/convivendo-com-a-mancha-branca-10-ou-150/