Ivaldo Roque, falecido aqui em 17 de abril de 1985, juntava numa só pessoa o ser catarinense e o ser gaúcho, o músico clássico, o popular, o vanguardista e o jazzman, o sambista de botequim e o professor universitário, o pedreiro e o linotipista dos primeiros anos, quando da chegada a Porto Alegre. Os lugares onde deixou marcada sua obra foram muitos: a construção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a gráfica do Correio do Povo, a Faculdade Palestrina de Música, a Escola de Samba Praiana, o restaurante Vinha d’Alho, a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana…
Ivaldo trabalhou como linotipista do Correio do Povo de 1969 a 1976. Problemas de saúde fizeram com que se aposentasse e passasse a se dedicar aos estudos e à música. Concluiu o supletivo de 2º grau e se tornou professor da Faculdade Palestrina de Música.
Um acidente de trabalho fez com que perdesse a primeira falange do dedo indicador esquerdo. Ainda que obrigado a improvisar com o mindinho, Ivaldo tocava violão com brilhantismo. O compositor Jerônimo Jardim, seu principal parceiro no grupo Pentagrama, com quem construiu uma obra fundamental para o neo-regionalismo gaúcho lembra que ele era um excelente violonista erudito, que teve aulas com Abel Carlevaro e que era um ótimo professor, admirado pelos alunos.
O músico Zé Gomes (integrante do grupo Os Gaudérios, no final dos anos 50) foi quem iniciou Ivaldo no ofício de professor de violão. Eles davam aulas na escola Violão Zé Gomes, que ficava em uma sala da Galeria Malcon, na Rua dos Andradas, centro de Porto Alegre. O curso existiu entre os anos de 1964 e 1969. Conhecidos por suas participações e vitórias em festivais, carnaval e outros eventos, ambos atraíam muitos alunos.
No primeiro Arqui-Samba, festival promovido em 1965 pela Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Ivaldo participou com a música Ciganinha. Carnavalesco desde criancinha, no Rio Grande do Sul era Praiana doente, afinal, ela repetia as cores verde e rosa da lagunense Brinca Quem Pode, escola que conheceu quando criança e reencontrou quando de seu regresso a Laguna. Para a Praiana compôs, entre outras, a melhor música do carnaval de 1972, Exaltação à Praiana, em parceria com Pedro Mattos, e o melhor samba de 1974, No Tempo da Vovó. Além disso, participava da bateria da escola tocando cavaquinho e tamborim. O amor pelo samba e o conhecimento do assunto o levaram a escrever a coluna A Ala do Roxo, da Zero Hora, sobre o carnaval.
Em 1971, no Teatro de Câmara, ao lado de Jerônimo Jardim e Luiz Coronel em homenagem a Lupicínio Rodrigues, Hamilton Chaves, Rubem Santos, Túlio Piva, Paixão Cortes e outros históricos batalhadores do Som do Sul, Ivaldo Roque organizou o show Rio Grande do Son. Participaram, também, Luís Mauro, Mutinho, João Palmeiro, Paulo Coelho, Cesar Dorfman, Kleiton e Kledir e Geraldo Flach.
Em 1973, junto com Jerônimo Jardim, Beto Meimes e Lúcia Helena, Ivaldo participou da 3ª edição da Califórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana. A música, Cobra luz, tirou o terceiro lugar e sinalizou o início de uma renovação da música regional, que ficaria marcada no ano seguinte, quando eles retornaram ao festival de Uruguaiana. Chegou com seus parceiros já denominados de grupo Pentagrama. Apresentaram a música Coto de vela, a história do negrinho do pastoreio mostrada em forma de jazz misturado ao fandango. A polêmica gerou a divisão do festival em três linhas, o que permanece: Campeira, Manifestação Rio-Grandense e Projeção Folclórica.
Integrado ao circuito dos festivais nos anos 60 e 70, Ivaldo participou da criação de dois grupos que marcaram época na música gaúcha: Cantapovo e Pentagrama.
O Cantapovo era formado por Ivaldo, Giba Giba, João Palmeiro, Sílvia e Laís Marques e Mutinho, todos destacados compositores e intérpretes da música popular urbana gaúcha. Foi um dos primeiros grupos da MPB do sul a ter reconhecido um trabalho artístico e receber cachês para apresentações. Um dos grandes momentos do Cantapovo aconteceu na primeira edição do Festival Sul-Rio-Grandense da Canção, no Teatro Leopoldina (hoje Teatro da Ospa). O grupo concorreu com duas músicas, Batucada e Canto de Chegar. João Palmeiro lembra que o público esperava a vitória de uma delas, mas, como em muitos festivais, a favorita acabou sem prêmio. Foi a consagração do grupo e do trabalho dos autores, Ivaldo e João Palmeiro. No fim, o público, que chegou a ameaçar quebrar o teatro, revoltado pela não classificação das suas preferidas, reuniu-se na rua cantando as duas vencedoras “morais” do festival.
Em 1974, após a primeira investida na Califórnia e a repercussão do trabalho, Ivaldo e Jerônimo Jardim resolver montar o grupo Pentagrama com as cantoras Loma e Yoli (também baterista) e o baixista Tenison Ramos. Montaram o show Transas&Milongas e prepararam o repertório para gravar seu primeiro disco. O disco foi gravado em 48 horas de estúdio, na correria, numa oportunidade surgida após uma turnê de 15 dias pelo interior do estado. O disco foi gravado e mixado às pressas; se sua qualidade técnica final é discutível, o mesmo não se pode dizer do repertório, uma jóia do moderno regionalismo popular urbano, ou neo-regionalismo gaúcho. Gravado em São Paulo, o disco foi lançado pela gravadora Continental, com produção de Ayrton dos Anjos e Wilson Miranda.
O grupo dissolveu-se logo após o lançamento do primeiro e único LP, que saiu com uma prensagem de apenas mil cópias e que se tornou uma referência fundamental para entender os rumos da moderna música do Rio Grande do Sul.
Logo em seguida, desgostoso com os rumos da carreira artística, com problemas de saúde, com saudade da mãe e de sua terra natal, Ivaldo retornou para Laguna. Lá, continuou a fazer música e a trabalhar em jornal como repórter de O Renovador. Tinha também um programa de rádio, onde, com sua boa cultura geral, falava de vários assuntos e apresentava a música de novos compositores. Com problemas de saúde por causa de uma cirrose, foi obrigado a largar a bebida e suas adoradas “curtidinhas”. Mas, sem poder perder o contato com os amigos da boemia, muitas vezes desprezou a recomendação médica. Morreu aos 47 anos, no dia 17 de abril de 1985. Com sua morte, veio o desaparecimento de muitas histórias e arquivos de sua vida e obra, entre elas seu grande projeto pessoal, para o qual estudava, suas peças eruditas e uma possível sinfonia sobre o regionalismo gaúcho, que estudava nas obras de Jan-Anton Van Hoek, Ernesto Nazareh, Isaías Sávio, Jorge Martinez e Villa-Lobos.
Grandes Sucessos
Sempre em parceria, o saudoso lagunense deixou sucessos com compositores como Jerônimo Jardim, Talo Pereyra, Osvil Lopes, Kenny Braga e Mutinho, ora interpretados por nada mais, nada menos que Elis Regina, Eliana Pittman, Jerônimo Jardim, Grupo Pentagrama, Raul Elwanger, Loma e Glória Oliveira, entre outros.
Sucessos
Pelo Grupo Pentagrama, foram gravados, Côto de Vela, de JJ/IR, 1975, Canção da Volta, de Kenny Braga/Ivaldo Roque, 1976, Cobra Luz, de Jerônimo Jardim/Ivaldo Roque, 1976, Maria Fumaça, de JJ/IR, 1976, Morada, de JJ/IR, 1976, Oração da Colheita, JJ/IR, 1976, Passa Ficará, de JJ/IR, 1976, Passarinheiro, de JJ/IR, 1976, Pingo de Cor, de JJ/IR, 1976 e Pra um dia poder voltar, de Osvil Lopes/Ivaldo Roque, em 1976. Em 1971, em parceria com Mutinho, Ivaldo teve gravado o sucesso Porto Seguro, com Eliana Pittmann, em 1976 Fandangueira, em parceria com Jerônimo Jardim, que também foi o seu intérprete, em 1979, Elas por Elas, mais uma parceria com Jardim, que também fez a interpretação. Em 1980, Canto de Roda, em parceria com Talo Pereyra e Robson Barenho, gravado por Raul Elwanger e a partir dali, a música que viria a ser hit nacional com Elis Regina, trilha sonora da novela Coração Alado, da Rede Globo.e que seria regravada pela “Pimentinha” nos discos Elis Vive, Saudade do Brasil e em Grandes Mestres da MPB-Volume 2, também com Elis. Antes do retorno definitivo de Roque, para Laguna ainda apareceram com força Passarada, em parceria de Ivaldo, com Talo Pereyra e Riobson Barenho e interpretações individuais das excelentes Glória Oliveira e Loma.
(Texto reproduzido do 14º fascículo da coleção CEEE/Som do Sul – História da Música do Rio Grande do Sul no século XX – editada em 2002)