Independente desta discussão de gênero, há que se afirmar que o Deus bíblico não se mostra indiferente ao sofrimento humano. Face à opressão no Egito de todo o povo hebreu, Deus escutou o grito dos oprimidos, deixou sua transcendência, entrou na história humana para libertá-los (Ex 3,7). Os profetas que inauguraram uma religião, baseada na ética, ao invés de nos cultos e nos sacrifícios, testemunham a Palavra de Deus: “estou cansado e não suporto vossas festas…procurai o direito, corrigi o opressor, julgai a causa do órfão e defendei a viúva”(Is 1,14.17).Quero misericórdia e não sacrifícios!
À base desta visão bíblica houve teólogos como Bonhöfer e Moltman que falam de “um Deus impotente e débil no mundo”, de um “Deus crucificado” e que somente este Deus que assume o sofrimento humano nos pode ajudar. O exemplo maior nos teria sido dado por Jesus, Filho de Deus encarnado que se deixou crucificar e que, no limite do desespero, grita:”Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”(Mc 15,34)?
Essa visão nos mostra que Deus nunca nos abandona e que participa da paixão humana. O fiel pode superar o sentimento de abandono e de desamparo e sentir-se acompanhado. Pois, o terrível do sofrimento não é apenas o sofrimento, mas a solidão no sofrimento, quando não há ninguém que lhe diga uma palavra de consolo e dê um abraço de solidariedade. Então, o sofrimento não desaparece mas se torna mais suportável.
Entretanto, a questão fica em aberto: por que Deus tem que sofrer também, mesmo estabelecendo um laço profundamente humano com o sofredor, aliviando sua dor? Por que o sofrimento no mundo e até em Deus?
Não cala nosso questionamento a constatação de que o sofrimento pertence à vida e que o caos é da estrutura do próprio universo (uma galáxia engolindo outra com uma inimaginável destruição de corpos celestes).
O que sensatamente podemos dizer é que o sofrimento pertence à ordem do mistério do ser. Não há uma resposta ao porquê de sua existência. Se houvesse, ele desapareceria. Mas ele continua como uma chaga aberta em qualquer direção para onde dirigirmos o olhar.
Talvez emerja um sentido na luta pela superação do sofrimento: sofrer para que outros não sofram ou sofram menos. Esse sofrimento é digno e nos humaniza. Mas não deixa de ser sofrimento. Por isso nos solidarizamos e sofremos junto com os familiares de Petrópolis e de outros lugares, que perderam entes queridos e rezamos pelas vítimas.
É um ato de razão, a razão reconhecer aquilo que a ultrapassa. Ela se inclina diante de Algo maior, diante do mistério e se obriga a admitir que o sofrimento está aí, produz tragédias e mortes de inocentes. Não há resposta a ele. Ela fica reservada a Deus, Aquele Ser que faz ser todos os seres. A Ele cabe a revelação definitiva do sentido do sem-sentido.
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