Na quarta-feira, 7, a Doutora em Farmacologia, neuroscientista Maíra Assunção Bicca (C) concedeu uma entrevista a equipe do JL, a respeito da publicação de artigo científico, assinado por um grupo de pesquisa composto exclusivamente por brasileiros, provando que o extrato de canabinoides (o nome científico da planta conhecida como maconha), em microdoses, trata o Alzheimer. Confira:
Publicação do artigo
Esse artigo é um relato de caso do nosso estudo inicial sobre o potencial dos canabinóides para o tratamento do Alzheimer. Foi realizado com um paciente de 75 anos do Paraná, que segue usando o extrato de canabinóides até hoje e estável. Ou seja, é o primeiro relato clínico (estudo com humanos e não animais) da literatura que demonstra o efeito do THC e CBD em melhorar a memória de alguém com Alzheimer. Esse primeiro paciente foi a nossa base para iniciar um estudo clínico, com muito mais pacientes, com placebo, randomizado e cego, também o primeiro do tipo a ser feito. O extrato não só melhorou os sintomas de memória, mas também auxiliou na melhora do sono, depressão e ansiedade do paciente, sem causar nenhuma toxicidade ou efeito adverso.
Grupo de pesquisa
É um trabalho 100% brasileiro. O grupo de pesquisa é liderado pelo meu querido colega de trabalho e amigo Prof. Dr. Francisney Nascimento, o último autor. O grupo inclui ainda um neurologista, um especialista em Cannabis e dois químicos, responsáveis pela análise do extrato utilizado. A doutoranda Ana Ruver-Martins é a primeira autora do trabalho e foi quem idealizou e realizou o acompanhamento do paciente. Eu fui convidada a me juntar ao time como especialista sobre Alzheimer, doença com a qual trabalho há mais de 15 anos. Fiz o acompanhamento dos dados, a análise de resultados e juntas, eu e a Ana, escrevemos o artigo. Finalmente foi publicado dia 12 de Julho, após passar por um total de 7 revisões, por quase 1 ano e meio.
A utilização do extrato
Existem muitos tabus ainda em relação a Cannabis sativa, o nome científico da planta conhecida como Maconha, aquela por muito tempo tida como a porta de entrada para drogas “pesadas”. Os canabinóides são moléculas que a planta produz, existem mais de 100. Os mais famosos e estudados são o THC e o CBD, que são os componentes majoritários do extrato que utilizamos no nosso estudo. O que talvez as pessoas não saibam é que dentro do nosso cérebro existe um sistema chamado endocanabinóide, ou seja temos enzimas que produzem proteínas como os canabinóides da planta, e obviamente temos os receptores, as proteínas receptoras que se encaixam as proteínas endocanabinóides, produzindo um efeito. Ou seja, dentro da nossa cabeça a gente tem o chaveiro, a chave e a porta que funcionam redondinho. A nossa hipótese é que quando envelhecemos a porta começa a ranger e abrir com dificuldade, o chaveiro fica cansado e as chaves já não são produzidas na mesma velocidade que antes, isso quer dizer que o sistema endocanabinóides dentro da gente está menos ativo com a velhice. A nossa ideia foi utilizar o extrato com canabinóides da planta para tentar compensar essa perda, dar uma ajuda ao chaveiro. A beleza desse trabalho é que utilizamos um extrato rico em THC, a famosa molécula da maconha que produz efeito alucinógeno, porém utilizamos esse extrato em microdoses, menores que 1 mg. Isso quer dizer que ninguém vai ficar “doidão” ou “chapado” utilizando o extrato, é realmente um pequeno incremento para o sistema funcionar bem e que produz zero efeitos adversos, o que acontece muito quando a dose de um medicamento é muito alta.
O uso e a legalização de Cannabis no Brasil
Precisamos para ontem reavaliar os nossos cursos de Medicina, como o sistema endocanabinóide precisa ser estudado, como abordar novas terapias à base de Cannabis.
Os artigos científicos ao longo dos últimos 10 anos vem mostrando cada vez mais o efeito benéfico dos canabinóides para o tratamento de várias doenças como esquizofrenia, epilepsia, fibromialgia, depressão, ansiedade, estresse, esclerose múltipla, Parkinson e Alzheimer. O Brasil é um país de solo e clima riquíssimos, com um potencial gigante para produção de plantas com alto teor de THC e CBD. Nós só temos a ganhar social e economicamente facilitando o plantio, a pesquisa e o controle de qualidade da planta.
A legalização da Cannabis para uso medicinal é algo que já deveria ter acontecido no Brasil há muito tempo, a exemplo de vários países Europeus e de grande parte dos Estados Unidos.