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Projeto Garatuja: reformas lúdicas nas creches de Laguna

Na semana que passou, a retirada dos tapumes do Cine Mussi revelou a beleza da obra de restauro concluída e prestes a ser inaugurada. Entretanto, vou contar para vocês: tem muito mais coisa escondida por trás daqueles tapumes. Lá pelo mês de agosto de 2013 alguns coletivos da cidade de Laguna se juntaram para promover a pintura daqueles tapumes até então pretos. Com a temática do cinema, colorimos e atribuímos vida aos protetores da reforma da edificação. Em um dos dias deste trabalho, algumas alunas da UDESC foram interrompidas por uma moça chamada Fabiana, que, animada com a possibilidade de dar vida à outros muros, nos convidou a fazer o mesmo na creche onde trabalhava. Assim nasceu o projeto Garatuja.
IRMÃ VERA
Nosso primeiro trabalho foi, então, na CEI Irmã Vera, em outubro daquele ano. Vocês podem estar se perguntando: aonde fica esta creche? Pois estamos na Ponta das Pedras. Ao passar pela ruína, sobe-se uma colina e logo se ouve o burburinho de 30 vozes infantis, que riem, falam, dão gritinhos estridentes. As vozes misturam-se ao sapateado das pequenas alminhas no pátio de concreto da creche. Isto era o que havia de colorido naquele lugar. A creche Irmã Vera fica no alto da Ponta das Pedras, e existe há mais de 20 anos. Atende duas turmas de crianças que têm de dois a cinco anos. Conta com cinco professores e uma coordenadora. Quando visitamos o lugar pela primeira vez, encontramos nas salas algumas cadeirinhas, mesas, duas caixas de brinquedos e dois televisores. Tudo é bem baixinho, do tamanho e ao alcance das crianças. Os brinquedos são improvisados, doações ou fruto da força de vontade dos professores. Ao conhecer as pessoas que trabalham na creche, seu espaço e suas crianças, a vontade de fazer algo por ela foi implacável. Por isso, os projetos de extensão da UDESC uniram-se para expandir aquelas cores irradiadas até então apenas pelas crianças. O primeiro Garatuja aconteceu durante a semana que antecedeu o dia das crianças, e envolveu a realização de uma festa para arrecadação de brinquedos, um concurso para criação de um logotipo para a creche, oficinas de desenho, música e cinema com as crianças, e, por fim, a pintura dos muros internos e externos da edificação pelo artista Gabriel Sam. Já naquela primeira experiência percebemos como a valorização dos espaços de educação infantil na cidade, incidia na melhoria do ambiente de trabalho para os professores e consequentemente na qualidade da educação para as crianças. Foi muito importante neste processo, também, a participação dos moradores da localidade.
CASULO
Passados algum meses, outra moça, agora de nome Mayara, é quem nos procura. Ela queria o Garatuja em sua escola. Quando fomos conhecer a CEI Bairro Progresso, ela estava em processo de mudança para o local atual, a antiga Casa da Família do Mar, no terreno da Fundação Hermon. Encontramos um lugar semi-abandonado, com as janelas quebradas, e um pátio interno moribundo, cheio de cacos de vidro. Pensamos: como uma creche poderá se instalar aqui? E resolvemos participar da mudança. Juntamos forças novamente e o segundo Garatuja tomou vida entre os meses de setembro e outubro deste ano. A fórmula foi parecida: festa para formação de uma brinquedoteca para a escola, concurso para escolha da nova logo, oficinas de música, máscaras, colagem, desenho, pintura, brincadeiras. Mas, desta vez, nossa equipe estava maior, e resolvemos construir um parquinho e uma casa de contação de histórias, que foi grafitada desta vez pela artista curitibana Paula Ariana Calory, naquele terreno antes habitado apenas pelos cacos de vidro. No processo, descobrimos que a creche já havia se chamado Casulo, um nome que tinha tudo a ver com a proposta do Projeto Garatuja: transformações que revelam a riqueza e a beleza de um lugar. Por outro lado, remetia também ao papel do trabalho comunitário por parte dos estudantes da UDESC: sair do casulo, quebrar as cascas. Na última semana, tudo aconteceu: o parquinho ficou pronto. No momento em que juntamos as pessoas para o mutirão de trabalho, bate aquela insegurança de pensar se vamos dar conta do trabalho. Depois que o trabalho fica pronto, só penso: quando será o próximo? É mágico ver o que alguns braços, cabeças e corações podem construir em poucos dias, quando unidos. Sabemos que o segredo para tudo acontecer é a horizontalidade do processos. Os alunos da UDESC tomam o projeto para si, apropriam-se dele, e o realizam como uma criação e obra autônomas. Não vou citar os nomes de todas as pessoas que participaram destes dois Garatujas, mas tenham a certeza de que todos estes rostos estão na minha memória e no meu coração. Fecho os olhos e lhes digo: obrigada! Por mim, pelas professores e principalmente pelas crianças: obrigada!
DESCASO PÚBLICO
Quisera eu neste momento, encerrar este pequeno texto com um agradecimento, porém, é preciso destacar algumas questões importantes no cenário em que se realiza o Garatuja. Primeiro, estamos claramente ocupando vazios de governo deixados pela Prefeitura Municipal. O que podemos dizer de uma cidade que não cuida de suas próprias criancas, que não lhes oferece condições para crescer como cidadãos? Qual o futuro de uma cidade que não se importa com suas crianças, que as abandona em lugares sem estrutura e muito menos ludicidade? Durante o segundo Garatuja, nossas decepções com a prefeitura foram maiores. No primeiro, contamos com o apoio de algumas pessoas e representantes de empresas e instituições para realizar o projeto (além da UDESC, a Magapavi, o escritório Art Real e o Lions Club). No segundo Garatuja, inocentemente, enviamos o projeto para a Fundação Cultural com mais de um mês de antecedência da data prevista buscando apoio. Este apoio nos foi prometido e confirmado verbalmente e através de mensagens telefônicas e e-mails, entretanto, faltando 4 dias para o início do projeto, ele foi negado. Como havíamos criado a expectativa nas cerca de 50 crianças que estudam na CEI Irmã Vera (e, para nós, isso é coisa muito séria) realizamos o projeto com nosso fundos pessoais. O lado bom da história é que novamente, pudemos contar com pessoas que apareceram em nosso caminho oferecendo uma ajuda que foi fundamental (Luis Madeiras, Joia Garden, Casa do Pintor, Silvio Castro). É preciso ressaltar que o valor do apoio era totalmente simbólico: mil e seiscentos reais. O resultado do trabalho está nas fotos que acompanham este relato. E para a prefeitura de Laguna, fica o recado: para nós, adultos, vocês podem até descumprir suas promessas eleitorais, como já estamos acostumados. Mas, quando se promete para uma criança, se cumpre!
*Professora Renata Rogowski Pozzo – Coordenadora do Projeto “Cidade Reencontrada: tempos e espaços para o cinema em Laguna”, da UDESC.

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