Aquicultura: vilã ou heroína?
A coluna dessa semana traz à tona um importante debate sobre o papel dos cultivos de organismos aquáticos ao redor do mundo. Afinal, a Aquicultura, representada principalmente pelos cultivos de peixes e camarões, seria uma vilã causadora de irreparáveis prejuízos ambientais ou seria uma heroína trazendo empregos, divisas e soluções eco-responsáveis para produzir proteína de origem animal de excelente qualidade? Mas por que pensar que a Aquicultura seria uma vilã? Como afirmam diversas matérias veiculadas em jornais, revistas e redes sociais, a Aquicultura seria uma vilã principalmente pelo que segue: 1) impactos ambientais causados em áreas consideradas de preservação como mangues e margens de rios e lagos; 2) pelos efluentes lançados nos corpos aquáticos adjacentes às fazendas aquícolas; e finalmente 3) pelo uso da farinha de peixe, ingrediente das rações, sendo este um “combustível” para pesca predatória de peixes de baixo nível trófico (como sardinhas e anchovetas), causando um desiquilíbrio na rede trófica marinha. Bem, vamos refletir. Em relação ao primeiro item, isso seria parcialmente verdade hà alguns anos, onde técnicos despreparados projetavam os empreendimentos aquícolas nestes locais. Atualmente sabemos que estes locais são péssimas escolhas pois são áreas geralmente instáveis, ricas em matéria orgânica, causando sérios prejuízos na qualidade de água dos cultivos, afetando o crescimento dos animais. Em outras palavras, é um “tiro no pé”, alguém projetar fazendas nestes ambientes. Em relação ao segundo ponto que trata dos efluentes, existe uma série de estudos que apontam que efluentes de fazendas podem apresentar qualidade de água superior ao afluente da fazenda. Ou seja, a água que “saí” muitas vezes é de melhor qualidade comparada a água que “entra”! Neste contexto, os viveiros de cultivo servem de grandes “filtros biológicos” aos ambientes circundantes. Paralelamente, está cada vez mais em alta o uso de sistemas de cultivo que reutilizam a água, isso devido a que em algumas regiões a água de cultivo (mesmo que de origem de estuário) já está sendo cobrada. Assim, a água agora é pouco renovada, evita a entrada de doenças e muitas vezes é reutilizada por diversos ciclos. E finalmente, em relação ao terceiro ponto, com o avanço nos estudos relacionados a nutrição dos organismos aquáticos, hoje a farinha de peixe é proporcionalmente muito pouco utilizada nas formulações das rações. Isso devido ao seu preço (que está nas alturas) e a descoberta que pode-se substituir a mesma por outros ingredientes, geralmente de fontes vegetais renováveis. E mesmo assim, quando a mesma é utilizada, boa parte da farinha de peixe disponível no mercado é fruto do reaproveitamento de rejeitos da indústria da pesca/cultivos. Este é o caso, por exemplo, de boa parte das farinhas utilizadas no Brasil. Assim, vísceras, cabeças e outras partes descartadas que iriam ser jogados em rios, lagoas ou outros locais inadequados (poluindo o ambiente), agora são transformados em um ingrediente nobre que produzirá alimento de altíssima qualidade. Mas então por que pensar que a Aquicultura seria uma heroína? Uma das respostas é bem simples: os benefícios à saúde! A população humana está cada vez mais migrando para uma alimentação saudável. Este é um caminho sem volta! Neste sentido, sabe-se que a carne dos pescados é rica em gorduras do tipo ômega-3 e ômega-6, fundamentais para nosso sistema de defesa, atividade cerebral e hormonal, entre outros. Além disso, a proteína dos pescados é de fácil digestão e seu constante consumo está ligado a longevidade, como ocorre nos povos asiáticos. Outro ponto importante é que para produzir 1kg de pescado, em média, são necessários de 1,2 a 1,5kg de ração. Animais como os suínos e as aves precisam de duas a três vezes mais rações para produzir o mesmo quilograma de biomassa. Ou seja, os pescados são eficientes no aproveitamento das rações, exigindo menos recursos para sua produção. Ainda é conhecido que, diversas espécies de pescados já estão no seu nível máximo de exploração ou até mesmo suas populações na natureza estão em franca redução. A pesca desses recursos pode causar danos a outras espécies, como é o caso da fauna acompanhante ou “bycatch”. Sabe-se que para capturar 1kg de camarão na pesca de arrasto, por exemplo, são capturados em média outros três a mais de 10kg de outras espécies, que geralmente são formas jovens e não têm preço comercial, e que são simplesmente descartadas no ambiente. Como suprir então a demanda por estes recursos? Fica a reflexão. Outro ponto importante é a geração de empregos. Enquanto que a bovinocultura de corte, um dos “agrobusiness” mais importantes do Brasil, gera em média 1 emprego por hectare, a Aquicultura gera de cinco a mais de 10 empregos por hectare, como é o caso da cadeia da carcinicultura no nordeste brasileiro. E para encerrar, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) recomenda um consumo de no mínimo 12 kg de pescado ao ano por habitante. O Brasil, segundo dados recentes, chegou próximo aos 8kg/ano, havendo assim um déficit de 4kg de pescado ao ano por habitante. Se pensarmos que o Brasil possui cerca de 200 milhões de habitantes, isso representa uma necessidade de produção de 800 mil toneladas a mais de pescados! Ou seja, praticamente dobrar nossa produção aquícola atual! Sendo assim, o atual cenário pode representar oportunidades, empregos, geração de divisas, desafios no desenvolvimento de tecnologias cada vez mais amigáveis e saúde a população! Produzir sim! Mas de maneira racional e sustentável!