Novamente, nossa simpática tilápia foi destaque na mídia nos últimos dias e, desta vez, não foi em razão de seus atributos zootécnicos ou nutritivos. De toda forma, vale ressaltar que seu cultivo continua crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Em Santa Catarina, a espécie mantém seu destaque no cenário aquícola e, a cada ano, os dados de produção se incrementam. Estamos chegando, em terras catarinenses, a volumes próximos a 30 mil toneladas/ano. Para termos uma ideia do que representa este montante, segundo dados da EPAGRI, a pesca artesanal em nosso estado responde por aproximadamente 12 mil toneladas/ano dos mais variados tipos de pescados.
Uma das desvantagens já discutidas em uma coluna anterior publicada no JL, acerca da cadeia produtiva da tilápia, é o seu baixo rendimento de filés, por volta de 30-35%. Ou seja, apenas para exemplificar, as 30 mil toneladas anuais de peixes inteiros renderão, ao final do processamento, cerca de 10 mil toneladas de filés. Geram-se, neste caso, 20 mil toneladas de resíduos. Por sorte, boa parte destes resíduos cada vez mais é destinada à fabricação de farinha e óleo de peixe. Entretanto, há ainda muito desperdício e muito resíduo a ser considerado neste processo. É aí que chegamos ao tema central de nossa coluna de hoje.
Um dos resíduos do processamento das tilápias é a sua pele. Os filés, após serem cortados na linha de produção de uma planta processadora, são destinados à retirada das peles, etapa que pode ser realizada tanto manual (através de facas) quanto mecanicamente, via máquinas específicas que retiram a pele dos filés em menos de um segundo. No Brasil, a maior parte da pele retirada dos peixes acaba não tendo um destino final adequado, a não ser o descarte. Iniciativas visando o curtimento da pele para produção de roupas e acessórios em geral (bolsas, carteiras, sapatos, cintos, etc.) existem há um bom tempo, porém, nada em grandes volumes.
A pergunta inicial de um projeto de pesquisa conduzido recentemente em Fortaleza (CE), e inédito no mundo provavelmente foi: “É possível que a pele de tilápia possa ser usada na medicina, para o tratamento de queimaduras e feridas em humanos?”. A partir desta hipótese, o cirurgião plástico cearense Edmar Maciel, presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ) realizou um estudo pré-clínico no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Medicamentos (NPDM) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Resultados preliminares obtidos pela equipe de cientistas envolvida no projeto, indicaram que é possível utilizar a pele da tilápia como curativo biológico e temporário, enquanto ocorre a cicatrização, no tratamento de queimaduras e feridas. Entre os benefícios do procedimento estão o de fechar feridas evitando infecções por contaminação externa e a perda de líquidos e proteína, além de minimizar as dores.
Entre os achados importantes da fase pré-clínica, está o estudo histológico (tecidos vivos) da pele da tilápia em relação à pele humana. A análise revelou que a pele da tilápia é dotada de boa quantidade de colágeno e graus de umidade, quesitos importantes para a cicatrização das queimaduras, assim como resistência à tração, semelhante à pele humana.
A fase pré-clínica, realizada em laboratório e em animais, já foi concluída e o próximo passo, a ser realizado entre julho e agosto deste ano, é o estudo clínico em humanos, o qual será conduzido no Centro de Queimados do Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza. Lembrando que o Ceará é referência no país na área de queimaduras. O projeto da fase clínica está sendo encaminhado, neste momento, para a apreciação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Segundo os especialistas da área, o Brasil está atrasado mais de 40 anos no tratamento tópico das queimaduras em relação à comunidade internacional, tendo em vista que não dispõe de pele (humana ou animal).
Uma ótima notícia saber que as tilápias cultivadas no Brasil têm potencial para trazer à população humana, mais este grande benefício!
Por:
Prof. Dr. Eduardo Guilherme Gentil de Farias, Engenheiro de Pesca
Prof. Dr. Giovanni Lemos de Mello, Engenheiro de Aquicultura
Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues Filho, Biólogo
Prof. Dr. Maurício Gustavo Coelho Emerenciano, Zootecnista
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