(1ª Parte)
O país, sob qualquer ângulo que o considerarmos, é contaminado por uma espantosa falta de ética. O bem é só bom quando é um bem para mim e para os outros; não é um valor buscado e vivido por si mesmo; mas o que predomina é a esperteza, o dar-se bem, o ser espertinho, o jeitinho e a lei de Gerson.
Os vários escândalos que se deram a conhecer, revelam um falta de consciência ética alarmante. Diria, sem exagero, que o corpo social brasileiro está de tal maneira putrefato que onde quer que aconteça algum pequeno arranhão já mostra sua purulência.
A falta de ética se revela nas mínimas coisas, desde as mentirinhas ditas em casa aos pais, a cola na escola ou nos concursos, o subordo de agentes da polícia rodoviária quando alguém é surpreendido numa infração de trânsito, desviar dinheiros públicos, beneficiar-se de cargos, enganar nos preços, em jogar lixo na calçada e até em fazer pipi na rua.
Essa falta generalizada de ética deita raízes em nossa pré-história.É uma consequência perversa do que foi a colonização. Ela impôs ao colonizado a submissão, a total dependência à vontade do outro e a renúncia a ter a sua própria vida. Estava entregue ao arbítrio do invasor. Para escapar da punição, se obrigava a mentir, a esconder intenções e a fingir. Isso levava a uma corrupção da mente. A ética da submissão e do medo leva fatalmente a uma ruptura com a ética (cf. J. Le Goff, O medo no Ocidente), quer dizer, começa a faltar com a verdade, a nunca poder ser transparente e, quando pode, prejudica seu opressor. O colonizado se obrigou, como forma de sobrevivência, a mentir e a encontrar um “jeitinho” de burlar a vontade do senhor. A Casa Grande e a Senzala são um nicho, produtor de falta de ética: pela relação desigual de senhor e de escravo. O ethos do senhor é profundamente anti-ético: ele pode dispor do outro como quiser pois é apenas uma “peça” como se dizia, a todo momento estava pronto a abusar sexualmente das escravas e a vender seus filhos pequenos para que não tivessem apego a eles. Nada de mais cruel, anti-ético e perverso do que a destruição dos laços de mãe e filhos.
Esse tipo de ética desumana criou hábitos e práticas que, de uma forma ou de outra, continuam,no inconsciente coletivo de nossa sociedade.
A abolição da escravatura ocasionou uma maldade ética imperdoável: alforiaram-se os escravos, mas sem fornecer-lhes um pedacinho de terra, uma casinha e um instrumento de trabalho. Foram lançados diretamente na favela. E hoje por causa de sua cor e pobreza são discriminados, humilhados e as primeiras vítimas da violência policial e social.
A situação, em sua estrutura, não mudou com a República. Os antigos senhores coloniais foram substituídos pelos coronéis e senhores de grandes fazendas e capitães da indústria. Aí as pessoas eram ultra-exploradas e feitas totalmente dependentes. Os comportamentos não eram éticos no sentido do respeito mínimo às pessoas e à garantia de seus direitos básicos. A relação era de medo e de uso de violência ou repressão. Foram feitos carvão para a produção como costumava dizer Darcy Ribeiro.