Por Luís Claudio Joaquim Abreu*
A morte de “Estrelinha”, mais um boto-pescador da nossa Laguna, é, indubitavelmente, revoltante. O fato nos levanta enormes questões à mente, e, com isso, tomo a liberdade de trazer mais uma: e se os saltitantes “narizes-de-garrafa”, forem os próximos a ‘estrelar’ a danosa lista do “JÁ TEVE”, que tanto amaldiçoa a cidade que outrora foi berço de Anita, Jesuíno, Jerônimo e tantos outros.
Sabemos que os botos-pescadores fazem um espetáculo ímpar, além de saltarem e darem o ar da graça aos seus espectadores, auxiliam os pescadores que aproveitam o pulo, para atirarem suas redes às águas e com isso obterem o pão de cada dia. A simbiose que ocorre ali tão perto, é uma raridade que atrai as atenções de estudiosos, jornalistas, turistas, de todas as partes do país e do estrangeiro. Todos fascinados. Ao lado da mítica Pedra do Frade, da viciante Água da Carioca, de uma história a ser explorada e uma beleza a ser admirada, os “narizes-de-garrafa”, compõem o rol dos atrativos lagunenses “sem par”, como diria o hino poético de nossa terra, do saudoso Osmar Cook.
Estou perto de completar dezessete anos e existem quase idêntica quantidade de “narizes-de-garrafa” pescadores. Os pesquisadores dizem estar estável o número de botos, e se somarmos os que não atuam na pesca a contagem perpassa cinquenta animais. Mas ora, podemos deixar isso assim? Nos contentar com a estabilidade, ou lutar para reduzir as quatro mortes/ano? A poucos metros das águas dos Molhes, está um monumento em honra aos amiguinhos saltitantes, talvez seja a única recordação que sobre, ou não, dada a situação plangente em que outras esculturas e símbolos históricos, se encontram.
Os nossos amiguinhos, são patrimônios municipais (Lei Ordinária 521/1997), e até pouco atrás estampavam as pinturas dos ônibus urbanos, junto com outros pontos turísticos de Laguna. Não obstante, os coletivos foram repintados, removendo os itens citados. Seria esse um presságio? Estamos diante de um cenário que não nos fornece alegria, pois até os monumentos históricos – que fazem a fama-mor lagunense – encontram-se em situação decadente.
A falta de atenção e cuidados, os qualificam para — não querendo fazer este trágico vaticínio, — integrar o putrefato índice do que Laguna “já teve”. Esta fama, que afugenta a vontade de viver na cidade, como ouço muito dizer, está longe de ser extirpada do pensamento, pois a cada dia, novos itens são indexados. Em três séculos de existência perdemos tantas coisas que estamos acostumados a ver tudo indo embora: os times de futebol e seus estádios são história; fábricas de arroz, cigarros, enlatados e até pastilhas cerâmicas, não passam de memórias; clubes literários, natação ou de escotismo são sonhos; nem mesmo o jornal mais antigo de Santa Catarina — O Albor — que circulou entre 1901 e 1965, existe mais, a casa que lhe servira de redação, ostenta uma cor rosa que extinguiu o seu nome das paredes; Espetáculos culturais, como o Rock Laguna, a República em Laguna ou o Laguna Metal Fest, são passado. De exemplo, basta.
Quando a tocha olímpica passou, há meio ano ou mais, multiplicaram, nos postes de energia, cartazes com fotos dos nossos atrativos turísticos com os dizeres “em Laguna tem”, ou algo publicitário do gênero. Inclusive o portal de acesso à cidade estampa os botos e o Centro Histórico. Entretanto, de que adianta estampar publicidade deste jeito, divulgar seus meios de turismo histórico — museus, monumentos e casarios – ou imaterial – no caso dos botos e praias — e apenas passar uma maquiagem ou quase isso, só quando for conveniente.
Está mais que na hora de envidarmos eficientes esforços para manter viva e perpetuar a cultura do boto-pescador. Laguna, em respeito à sua história, à população lagunense-lagunista, à memória dos bravos que por esta terra lutaram por séculos, não pode ficar parada, esperando o desfechar trágico. A qualquer momento podemos perder uma tradição e num efeito dominó ver as outras indo junto. Ou nos mexemos, ou tudo vai embora. Nossa guerreira Anita, dada a briga por seu berço poderá ir para Tubarão ou Lages; Jesuíno Lamego pode ir para a Pescaria Brava e a majestosa Ponte Anita Garibaldi, pasmem, serrada e levada para Imbituba — um quadro já “prevê” isso.
Precisamos reavivar a nossa lagunidade e, impedir — melhor, aniquilar perpetuamente — o aliciamento, pelo maligno espírito do “Já Teve”, de tudo o que traz alegria e abrilhantamento à nossa cidade.
Flipper, um boto lagunense, que tanto sofreu nas mãos humanas em nome da arte, deve estar se remoendo no fundo do mar onde faz sua morada eterna. Por isso, de nada basta só palavrear, pois “o instante não é mais de palavras, é de ação” (Getúlio Vargas, 1930).
* Luís Claudio Joaquim Abreu é estudante do Ensino Médio (Escola Saul Ulysséa), lagunense, tem 16 anos e é o autor do Blog As Mil e Uma Histórias de Laguna (asmileumahistoriaslaguna.blogspot.com). Contato: luisabreu1926@gmail.com