Leonardo Boff

A dimensão política da fé hoje (2ª parte)

Mais grave é o tipo de fé proclamada pelas igrejas neopentecostais com suas televisões e programas multitudinários. Aí não se escuta nunca a mensagem do Reino de amor, de justiça, de fraternidade e de perdão. Nunca se ouve a palavra fundamental do Jesus histórico: “Felizes os pobres porque vosso é o Reino de Deus…ai de vós ricos, porque já tendes a vossa consolação” (Lc 6,20.24). Em seu lugar volta-se a um tipo de leitura do Antigo Testamento (raramente a tradição profética) onde se ressaltam os bens materiais. Pregam não o evangelho do Reino, mas o evangelho da Prosperidade material. Logicamente, a maioria é pobre e precisa de uma infraestrutura material básica. É a fome real que martiriza milhões de fiéis. Mas “não só de pão vive o homem” disse o Mestre. O ser humano tem no fundo outro tipo de fome: fome de reconhecimento negado às mulheres, aos mais humildes, aos negros, aos homoafetivos, aos LGBT, fome de beleza, de transcendência, ínsita na natureza humana, por fim, fome de um Deus vivo que é de ternura e de amor aos mais invisíveis. Tudo isso, essência da mensagem do Jesus histórico, não se ouve nas palavra dos pastores. Estes, a maioria deles, são lobos em pele de ovelha, pois exploram em proveito próprio a fé singela dos mais humildes. E o pior são politicamente conservadores e até reacionários, agem como se partidos fossem, normalmente, apoiando políticos de conduta duvidosa, interferem, como é o caso atual no Brasil, na agenda do governo, apontando nomes para os altos cargos. Não respeitam a Constituição que prescreve a laicidade do estado. O atual presidente, outrora católico, por conveniência se aproveita destas igrejas neopentecostais como base de apoio de seu governo de viés reacionário, autoritário e fascistoide.
Ao lado deles, há um grupo de católicos saudosistas do passado, conservadores que se opõem até ao Papa, ao Sínodo Pan-Amazônico, usando de verdadeiras mentiras, fake news e outros ataques por seus youtubers. Podem ser católicos conservadores, mas nunca cristãos na herança de Jesus, pois nessa herança não cabe o ódio, a mentira e a calúnia que eles propagam.
A fé possui uma segunda roda, da política; é o seu lado prático. A fé se expressa pela prática da justiça, da solidariedade, da denúncia das opressões, pelo protesto e pela prática da solidariedade sem fronteiras, do amor social e da fraternidade universal, como enfatiza o Papa na Fratelli tutti (n.6). Como se vê, política aqui é sinônimo de ética. Temos que aprender a nos equilibrar em cima das duas rodas para poder andar corretamente.
Entre aqueles que vivem uma ética de solidariedade, de respeito e de busca da verdade, estão muitos que se confessam ateus. Admiram a figura de Jesus por sua profunda humanidade e coragem ao denunciar as mazelas sociais de seu tempo e, por isso, de sofrer perseguições e ser crucificado. Bem enfatiza o Papa Francisco: prefiro estes ateus éticos do que cristãos indiferentes ao sofrimento humano e às clamorosas injustiças mundiais. Quem busca a justiça e a verdade está na direção do caminho que termina em Deus, pois sua verdadeira realidade é de amor e de verdade. Mais valem tais valores que as muitas orações se nelas não está presente a justiça, a verdade e o amor. Quem é surdo diante dos padecimentos humanos, não tem nada a dizer a Deus e suas orações não são ouvidas por Ele.

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