Estabeleceu-se, desde então, um embate entre duas leituras: a da mineradora Vale que insiste no fato do acidente e de sua relutância em reparar adequadamente os danos e de fazer as compensações necessárias aos parentes dos vitimados. Orgulhosamente se auto-apresenta “como uma mineradora global que transforma recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável. Com sede no Brasil e atuação em cerca de 30 países, a empresa emprega aproximadamente cerca de 125 mil empregados, entre próprios e terceiros permanentes”. Esquece que em 2012 foi eleita pelo “Public Eye People’s” a pior empresa do mundo, o “Oscar da Vergonha”. Dentro da lógica do capital, visa apenas o lucro mesmo à custa de vidas humanas. Para novembro de 2019 estavam previstos (mas ainda sub judice) 7.25 bilhões de reais como dividendos para os acionistas. Mas nas negociações com os parentes das vítimas e face aos danos a toda uma região, se mostra dura e chantageia a população, caso não aderir a suas propostas: não haverá empregos e prosperidade para a região. É um engodo, pois, pela nefasta Lei Kandir a Vale não paga nenhum imposto sobre a exportação e apenas 2% como Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Portanto, o lucro principal não vai para o Brasil e para a população.
A outra leitura é levada avante pela Arquidiocese, especialmente pelo bispo local Dom Vicente Ferreira e por suas duas exímias auxiliares, Marina Oliveira e Camila Rodrigues que largaram seus afazeres e estudos para liderarem as lições a serem tiradas do fato criminoso. Trata-se de mostrar para a população que este modo de organizar a mineração e buscar o lucro é própria do sistema do capital. Ele produz uma dupla injustiça: uma, social, explorando a mão de obra e outra, ecológica, devastando a natureza circundante. Ele se mostra inimigo da vida da natureza e da vida humana, como bem o mostra o Papa Francisco em sua encíclica de ecologia integral” sobre o cuidado da Casa Comum”. As mudanças devem começar com cada um, como cuidar da casa, da água, do lixo, de cada árvore e dos animais. Importa não ficar refém de uma empresa que apenas promete emprego mas a preço de contaminar a atmosfera e afetar a vida especialmente das crianças. Devemos ser inventivos e buscar formas alternativas de garantir a vida de todos, mais sã e melhor compartilhada.
O bispo Dom Vicente usa suas habilidades pessoais para suscitar este novo nível de consciência na população, pois é poeta, cantador e tocador de violão. Encontra dura oposição de católicos carismáticos e outros apoiados pela Vale, que não veem nisso o cumprimento do mandato divino de “cuidar e proteger” o jardim do Éden, mas como mera política. Assim se mostram sem empatia para com os parentes das vítimas. Conservadores, querem reduzir à fé apenas ao espaço do religioso, sem ter aprendido a lição do Concílio Vaticano II que fazer política “e o mais alto ato de amor”, não política partidária, mas política como bem comum, como solidariedade com aqueles que mais sofrem e política como defesa dos direitos de cada pessoa humana e da natureza. Sua fé é estéril, pois não leva à salvação. O que salva não são prédicas mas práticas, de amor, de compaixão e de solidariedade como vem sendo feitas pelo “Comité de Apoio e Solidariedade aos Atingidos pelos Crimes da Vale” e pela pastoral de Dom Vicente Ferreira e de seus auxiliares.
Nós que lá estivemos nas celebrações, damos este testemunho. E o nosso testemunho é verdadeiro.
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