Impõe-se, portanto, a ampliação da personalidade jurídica à floresta, aos ecosistemas e à Terra como Gaia. Bem disse o pensador Michel Serres: “A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 teve o mérito de dizer ‘todos os homens têm direitos’ e o defeito de pensar ‘só os homens”. Os indígenas, os escravos e as mulheres tiverem que lutar para serem incluídos em ‘todos os homens”. E hoje esta luta inclui as florestas e outros seres da natureza também sujeitos de direitos e, por isso, novos membros da sociedade ampliada.
Por fim, há que se incluir a própria Terra, como Gaia, super-organismo vivo, no rol dos cidadãos. Ela seria aquela realidade cidadã que cria as condições para todos os outros tipos de seres, como seu valor intrínseco e sujeitos de cidadania.
As novas ciências, a astrofísica e a cosmologia nos asseguram que o universo não resulta da soma de todos os seres existentes e por existir, como se estivem justapostos uns aos outros. Todos eles se encontram inter-retro-conectados. O universo é o conjunto articulado das conexões de tudo com tudo em todos os pontos e momentos. Todos os seres não são apenas portadores de massa e de energia mas também de informação trocada, retrabalhada e estocada de um jeito singular e próprio a cada ser.
O fator relação e inter-dependência de todos com todos, o Papa Francisco em sua excepcional encíclica sobre ecologia integral “sobre o cuidado da Casa Comum” (2015) repetidas vezes enfatizou: “nenhuma criatura se basta a si mesma… tudo está interligado… tudo está relacionado” (nn.86, 118, 120).
Com efeito, depois de termos criado a ameaça de destruição da Terra-Gaia não podemos mais exclui-la do novo pacto social, como o fizeram Hobbes, Rousseau e Kant, no passado, e Habermas e Appel no presente. Estes davam e dão por descontado o futuro da Terra. Hoje não é mais assim. Devastada Gaia, não há mais base para nenhum tipo de cidadania e de direitos, pessoais, sociais e naturais. Se quisermos sobreviver juntos, a democracia tem de ser também biocracia e cosmocracia, numa palavra, uma democracia sócio-ecológica.
A partir disso admitem eminentes cientistas que o universo e cada ser são portadores de níveis diversificados de consciência e possuem algum tipo de subjetividade, fruto das inter-relaçãos que entretém entre todos. A diferença entre a subjetividade humana e aquela do universo ou das florestas ou de outros seres não é de princípio mas de grau.
Em nós, em grau altamente complexo e, por isso auto-consciente, no universo e na floresta amazônica num outro, menos complexo, mas igualmente com grau próprio de consciência e de subjetividade. Por isso a floresta interage, sente, sofre, se alegra, dá seus sinais, responde e nos dá lições, algumas sábias e outras duras. Mas mostra que ela quer ser escutada, atendida, respeitada e incluída no cuidado humano.
Se a florestania fôr assumida num sentido amplo como postulado aqui, enquanto cidadania na floresta e da floresta, assistiremos a algo inédito no mundo. Na região da maior biodiversidade do planeta, na floresta amazônica, se inaugurará um novo ensaio civilizatório, referência possível para as demais florestas tropicais da Terra, assumidas e respeitadas como cidadãos. E comprovar-se-á a realidade de um desenvolvimento não predatório, de um ser humano feito anjo bom da Terra e não o seu satã ameaçador.
O cuidado das pessoas, das sociedades, da natureza e da Casa Comum será a atitude mais adequada e imprescindível para a nova fase da história da humanidade e da própria Terra.
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