Devoção. É uma das muitas palavras que pode resumir a tradição da Festa de São Sebastião, comemorada anualmente pelos moradores de Barranceira, que jamais perderam a fé em seu padroeiro, à ele creditando muitas vitórias em suas vidas. A história da festa começa com um caixeiro-viajante, que de canoa, vinha de Imaruí rumo à cidade, atravessando o porto de dona Alexandra André, pediu pousada, já que era tarde da noite. Amanhecendo, para retribuir a bondade, quis pagar pela estadia, mas a senhora, porém, disse que não precisava. Foi então que ao ver um santinho de papel com a imagem de São Sebastião, o caixeiro prometeu que mandaria vir do Rio de Janeiro, um quadro do santo. Alexandra, não acreditava que a imagem seria enviada. Foi na inauguração da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, em 1º de setembro de 1884, que chegou a notícia de que havia vindo do Rio de Janeiro por navio, uma imagem de São Sebastião, para aquela senhora, e que esta se encontrava na agência dos Correios, onde foi buscada por Manoel André. A partir daí se se iniciou a tradição da festa e da novena de São Sebastião, com missas rezadas à noite, sempre na casa de Alexandra, exceção apenas para a que era celebrada no dia do padroeiro – 20 de janeiro, que era realizada às dez horas da manhã, assim como acontece hoje. Com o tempo, a tradição passou de Alexandra para sua filha mais nova, Marcelina, que, com muita devoção manteve a festa “de pé”, sempre realizando-a em sua residência. A festa que começou pequena, foi ganhando mais devotos a cada ano, ficando cada vez maior. E o crescimento começou a “incomodar” a vizinha Cabeçuda, que por muito tempo travou uma guerra com Barranceira, já que a festa do padroeiro do outro bairro – São Pedro Apóstolo – era pequena.
Loreni André, conta que o bairro vizinho começou a pressionar o padre para que este levasse a grandiosa festa para lá, pois não era admissível que fosse realizada numa casa e, não numa igreja. E assim uma senhora foi buscar a imagem, devidamente autorizada pelo padre. Marcelina caiu em lágrimas. Mas quando a senhora foi pegar o quadro, suas mãos ficaram trêmulas, impedindo-a de pegá-lo. E sem o quadro ela foi embora. Então para o santo não sair do bairro, Marcelina doou um terreno e daí em diante, os festeiros, indo de porta em porta e até em Tubarão pediram donativos para a construção da pequena capela. Foi uma tarefa incansável, lembra Liberina André. Dando início à construção da primeira capela da comunidade, desativada após a inauguração, em 1995, da nova igreja. Mas no início da festa eram entregues como pagamentos de promessas, muitos animais e objetos. Um dia apareceu uma massa em forma de uma vaca amassada à mão. Loreni conta uma história que ouviu de Marcelina; uma família que morava na estrada do Paulista, tinha apenas uma vaca para se sustentar, e que um dia ficou doente. A mulher começou a rezar para São Sebastião, mas o marido, descrente, dizia que ao acordar iria enterrar o animal, pois estaria morto. Ao acordar, foi com sua pá, e tomou um susto; a vaquinha, embora fraca, estava de pé. O marido saiu correndo acordando sua esposa que assustada perguntou se a vaca estava morta, com o marido lhe dizendo que não, que o animal estava vivo. Iniciava ali a tradição das massas. Ele também conta que todo o dinheiro arrecadado era “guardado numa lata de leite em pó”, e que a mesma era aberta – no ano seguinte – e, a arrecadação usada para a compra dos melhores fogos de artificio, dispostos numa roda em que um foguete era lançado um contra o outro e que no meio havia um estandarte que, conforme era atingido, surgia a imagem do padroeiro. Como relata Elizabeth Abreu, no dia 20 de janeiro, “os pescadores enfeitavam suas canoas para receber a imagem de São Sebastião”, com os festeiros descendo pelo porto que se localiza ao lado da antiga capela. O quadro era colocado numa canoa, que seguia viagem rumo à Cabeçuda onde era recebido pela população, e então seguia de volta para o porto do “seo” Adílio Ferreira, seguindo em procissão até a igreja. Porém com o tempo, a imagem começou a se deteriorar por causa da ação do salitre. Então o roteiro foi mudado e a procissão começou a se iniciar na casa de devotos e terminar na igreja. E assim a festa vai se mantendo ano a ano, sempre acolhendo os fieis, com a renovação da fé de cada devoto. A tradição continua passando de geração em geração e mesmo com algumas modificações, jamais perde sua identidade.
* Estudante do 9º ano da Escola Saul Ulysséa, 14 anos, é morador da Barranceira, tetraneto de Alexandra André e responsável pelo Blog As Mil e Uma Histórias de Laguna.