Nos últimos tempos temos dedicado nossas reflexões quase que exclusivamente à questão do Covid-19, de seu contexto que é a superexploração da Terra viva e da natureza pelo capitalismo globalizado, incluiundo a China. Elas se defenderam enviando-nos uma gama de vírus (zika, ebola, febre aviária e suína e outros) e agora este que atacou a humanidade inteira, poupando outros seres vivos. A corrida desenfreada da acumulação desigual e todos tivemos que parar, entrar no isolamento social, evitar conglomerações e usar as incômodas máscaras. Acolhemos estas limitações em solidariedade uns com os outros e com os sofredores do mundo inteiro.
Essa situação severa enseja a ocasião de não apenas pensarmos no que virá após a pandemia mas de voltarmo-nos sobre nós mesmos, sobre as questões cotidianas como a construção continuada de nossa identidade e a moldagem de nosso sentido de ser. É uma tarefa nunca terminada mesmo sob o confinamento social. Entre muitas, duas provocações estão sempre presentes e temos que dar conta delas: a aceitação dos próprios limites e a capacidade de desapegar-se.
Todos vivemos dentro de um arranjo existencial que, por sua própria natureza, é limitado em possibilidades e nos impõe inúmeras barreiras: de profissão, de inteligência, de saúde, de economia, de tempo e outras. Há sempre um descompasso entre o desejo e sua realização. E às vezes nos sentimos impotentes face a dados que não podemos mudar como a presença de uma pessoa com seus altos e baixos ou de um doente terminal. Temos que nos resignar face a esta limitação intransferível.
Nem por isso precisamos viver tristes ou impedidos de crescer. Há que ser criativamente resignados. A invés de crescer para fora, podemos crescer para dentro na medida em que criamos um centro onde as coisas se unificam e descobrimos como de tudo podemos aprender. Bem dizia a sabedoria oriental: “se alguém sente profundamente o outro, este o perceberá mesmo que esteja a milhares de quilômetros de distância”. Se te modificares em teu centro, nascerá em ti uma fonte de luz que irradiará para os outros.
A outra tarefa consite na busca da auto-realização. Esta, essencialmente, é a capacidade de desapegar-se. O zen-budismo coloca como teste de maturidade pessoal e de liberdade interior a capacidade de desapegar-se e de despedir-se. Se observamos bem, o desapego pertence à lógica da vida: despedimo-nos do ventre materno, em seguida, da meninice, da juventude, da escola, da casa paterna, dos parentes e das pessoas amigas. Na idade adulta despedimo-nos de trabalhos, de profissões, do vigor do corpo e da lucidez da mente que irreversivelmente vão diminuindo até cessarem e aí nos despedirmos da própria vida. Nestas despedidas temos crescido em nossa identidade mas à custa de deixarmos um pouco de nós mesmos para trás.
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