Leclerc descreve, então, o processo de construção da fraternidade universal na trajetória de Francisco de Assis. Filho de um rico comerciante de tecidos, considerado o rei da jeneuse dorée da cidade que vivia em farras e algazarras, de repente começou a dar-se conta da futilidade daquela vida. Passava horas na capelinha de São Damião, contemplando o rosto doce e terno de um crucifixo bizantino. Algo semelhante fazia Dostoievsky que uma vez ao ano viajava até Dresden na Alemanha para na igreja contemplar, por horas, a beleza de um quadro de Maria extraordinariamente deslumbrante. Precisava desta contemplação para apaziguar sua alma atormentada. No romance Os Irmãos Karamasov deixou esta instigante frase: “é a beleza que salvará o mundo”.
Assim foi a doçura e o olhar misericordioso do Cristo bizantino, à semelhança com Dostoievsky, que conquistou aquele jovem em profunda crise existencial e lhe mudou o destino da vida. Convenceram-no a fé no Criador que criou uma fraternidade fundamental, fazendo que todos os seres, pequenos e grandes, também os humanos e o próprio Jesus de Nazaré, fossem todos tirados do pó, do húmus da Terra. Todos têm a mesma origem, formam uma fraternidade terrenal.
São Paulo aos Efesios lembrava aos seguidores: “Tende os mesmos sentimentos que Cristo teve. Sendo Deus, não fez caso de sua condição divina; fez-se um nada e assumiu a condição de servo por solidariedade com os seres humanos; apresentou-se como simples homem; humiliou-se- obedientemente até à morte e à morte de cruz” (o mais humilhante dos castigos impostos aos subersivos: Flp 2,5-8).
À luz destas matutações, Francisco esqueceu sua situação de filho de um rico mercador, descobriu a origem comum de todos os seres, do pó da Terra, de seu húmus e contemplou também a humildade de Cristo retratada no rosto sereno e doce do crucifixo bizantino. Como era prático e resoluto em tudo o que se propunha, tirou logo uma conclusão: vou solidariamente unir-me àqueles que mais próximos estão do Crucificado: os leprosos e com eles, vou viver aquilo que nos faz pela criação irmãos e irmãs e criar uma uma radical fraternidade com eles. Confessa em seu testamento: “aquilo que antes me parecia amargura agora emergia como doçura”. Conhecemos o resto da saga do Sol de Assis como o chama Dante na Divina Comédia.
Entretanto, Eloi Leclerc não se contentou com a experiência iluminadora do Cântico das Criaturas. A angustiante pergunta não lhe dava sossego: qual é o grande obstáculo que impede a fraternidade humana e com todas as criaturas e que cria espaço para os massacres e a eliminação sumária de pessoas, tidas inferiores ou sub-humanas como ocorreu nos campos de extermínio? Chegou à conclusão: é a vontade de poder.
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