Laguna

“Nós temos o melhor cinema que existe” – Relatos da tela imaginária de Maurício Carneiro

“Meu nome é Maurício de Paula Carneiro, natural de Laguna. Espalhado pelo mundo e de volta a Laguna. Casado, três filhos, cinco netos. Aposentado, 66 anos”. Assim começa nossa conversa com este senhor que é muito mais do que acaba de descrever. É portador de uma incrível memória e conhecimento sobre a história dos cinemas de Laguna, especialmente o Cine Mussi, onde trabalhou por oito anos na década de 1960. “Comecei como baleiro e acabei na bilheteria”. O Cine Mussi, fundado em 17 de dezembro de 1950, possuía uma bomboniere que vendia balas para as pessoas que aguardavam a próxima sessão e também durante os intervalos dos filmes mais longos, como E o Vento Levou. “Quando foi construído, ele era um dos cinemas mais lindos do Brasil. Santa Catarina não tinha cinema igual. Nós tínhamos orgulho de dizer: “nós temos o melhor cinema que existe”. “Nós tivemos o privilégio de passar um filme nacional pela primeira vez no Brasil. “Assalto ao Trem Pagador; esse filme foi lançado aqui em Laguna”. Na sala de sua residência, Mauricio nos conta que em “seu tempo” existia além do Mussi também os Cines Central e Roma. O primeiro localizava-se onde hoje está o Centro Cultural, e o segundo no edifício atual da Funerária Santo Antônio. Os Cines Central e Mussi eram de propriedade da família Mussi, cujos irmãos casaram-se com duas moças de uma família de cinema da cidade de Florianópolis, a família Daux. “Tinha filme todos os dias; às 19:30 começava a sessão”. Aos domingos as sessões eram três: às 14h para as crianças e outras às 18:30 e 20:30. Entre os filmes nacionais, faziam sucesso os da Derci Gonçalves. Comumente o filme que passava no sábado e domingo no Cine Mussi era re-exibido na segunda-feira no Cine Central, que pegou fogo em 1977. Antes ali funcionou o Teatro 7 de Setembro. O Central era menor e mais simples que o Cine Mussi, mas possuía duas escadas laterais, camarotes e um pequeno hall de espera. O Mussi possuía duas máquinas de projeção. Como os filmes vinham em rolos, quando um estava para terminar o projecionista preparava-se para soltar o outro. “Ele era tão rápido que você nem via passando de um filme para outro.” Por vezes esta troca ocorria mais de uma vez, como nos mais longos que possuíam quatro, cinco e até dez rolos. “A tela era como a gente assistir o cinemascope; era a tela toda. Antigamente ela era quadrada, depois veio o quatro dimensões que era a tela toda com som estéreo. Quando vinha uma coisa moderna todo mundo vinha ver. Hoje não, hoje o som não é mais igual, som mesmo de qualidade não tem.”
FECHAMENTO DAS SALAS DE RUA DA CIDADE
O Cine Mussi em seu auge estava constantemente com seus 1000 lugares lotados. “Tinha sessão que fazia volta na quadra: Sissi, a Imperatriz; Sissi, seu Destino; Bem-Hur; Os Reis dos Reis; E o Vento Levou…”. E, é claro, os filmes da Derci. A música que mais tocava no início das sessões era o Concerto n. 1 para Piano, de Tchaikovsky, até que o gongo soava para avisar que o filme iria começar. Apagavam-se as luzes e a viagem imaginária começava. Até que certo dia esta luz não mais se ascendeu. “A televisão, ela acabou com o cinema”. Responde enfático nosso interlocutor quando questionado sobre o fechamento do Cine Mussi. Com a queda no público causado por esse novo entretenimento que move o público das salas de cinema de rua de 1000 lugares para o isolamento das salas de suas casas, as produções tornaram-se caras e a bilheteria não dava conta de cobrir as despesas com os funcionários. “No Cine Central trabalhavam o Otto Siqueira, o Lúcio e o Pedro Paulo. Eram os três. O Cine Mussi tinha muito mais gente. Da minha época, tinha o Noé Mendonça, o Luiz Santos e o seu Chicão, que era porteiro. Tinha ainda o Gilson Bittencourt, o Bento Pascal, o João Pascal, o Osmar Macedo e o camarada que fazia os cartazes.
DISTRIBUIÇÃO
Mauricio conta que o território do estado de Santa Catarina era dividido em duas redes de distribuição cinematográfica: a de Lages e a de Florianópolis. Naquela época, assim como hoje, os filmes eram vendidos em pacotes: “Tinha que passar o filme bom e o que não prestava também”. Os filmes eram trazidos pelos ônibus da Santo Anjo que faziam (e fazem até hoje) linha para Florianópolis. As películas chegavam todos os dias entre 20 e 21 horas e eram revisadas no dia seguinte para serem exibidas. Naquele tempo, ninguém podia tirar cópia de um filme; depois de exibido ele voltava para a empresa. Acontece que naquele tempo nossas estradas já eram ruins, e por vezes os ônibus quebravam ou atolavam e os filmes ficavam presos. Para estes casos havia sempre um filme de reserva, e se preciso o cartaz era fabricado na hora.
NAS ONDAS DO RÁDIO
Com seu amigo Carlos Araújo Horn fazia um programa de rádio (na Difusora) chamado Cinema em Foco. “Abrem-se as cortinas da tela imaginária do seu receptor! No ar: Cinema em Foco”. Este programa foi transmitido entre 1967 e 1970. No programa eram colocadas músicas de filmes que passavam nos cinemas locais, e o ouvinte que adivinhasse de qual filme tratava-se ganhava um ingresso. Nele tocou inclusive a trilha sonora do primeiro filme a ser exibido no Cinema Mussi. Você sabe qual foi? A resposta na próxima coluna…

 

PROJETO CIDADE REENCONTRADA: TEMPOS E ESPAÇOS PARA O CINEMA EM LAGUNA – SC.
Contato: lagunacidadereencontrada@gmail.com
UDESC – Laguna.
Entrevistado: Mauricio de Paula Carneiro
Entrevistadores: Camila Marcello e Braian Souza Baggio
Transcrição: Camila Marcello
Redação: Renata Rogowski Pozzo

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