Toda a cidade torcia para o que agora vem acontecendo. É a restauração e recuperação por completo, do antigo Hotel Rio Branco entre as ruas Gustavo Richard, Barão do Rio Branco e Raulino Horn. A sua edificação apresenta um dos mais antigos casarões de Laguna, e claro, de Santa Catarina. Trata-se de dois sobrados geminados, sendo: um mais antigo, com frente para a Rua Raulino Horn, que apresenta características arquitetônicas genuinamente luso-brasileiras, possivelmente datado do início do século XIX; e o outro, com frente para a rua Gustavo Richard, construído no final do século XIX, já apresentando elementos característicos do ecletismo, como a cobertura de telhas francesas, platibanda e elementos decorativos de inspiração neoclássica.
É de conhecimento público que o sobrado mais antigo já funcionou como farmácia e ponto de encontro da cidade. Segundo Saul Ulysséa em sua obra Laguna de 1880, o local foi“apelidado” pelo povo como a “esquina do ABC”, em consequência de serem as quatro esquinas ocupadas por pessoas com as iniciais ABC: Acácio e Américo, Bembem (Bessa) e Candemil, sendo Américo Antônio da Costa o proprietário do sobrado na época. Além deste uso, a edificação abrigou por algum tempo a sede do Clube Blondin Sociedade Recreativa.
Já o sobrado mais recente, voltado à Rua Gustavo Richard, abrigou por muitos anos um restaurante no térreo e um hotel semelhante a uma pensão no andar superior, chamado Hotel Rio Branco. Em função dessa utilização, os sobrados foram transformados em uma só edificação no segundo pavimento.
Alguns antigos cartões postais editados em Laguna por volta de 1905 (figuras 1, 2 e 3, acima) apresentam os dois sobrados em seu provável aspecto original (indicados por seta), notando-se, por exemplo, que a edificação luso-brasileira junto à rua Raulino Horn abrangia inicialmente também o sobrado geminado à sua direita (figura 06, na página ao lado), cuja fachada foi descaracterizada anteriormente ao tombamento do Centro Histórico de Laguna em 1985.
O imóvel é integrante do Centro Histórico tombado em âmbito federal (1985) e municipal (1979) o qual, por sua relevância e excepcionalidade no contexto da área tombada, é classificado pelo Iphan, na categoria de alto nível de preservação, denomidado proteção 1 (P1).
O estado de abandono
Em 2012, foi realizada pelo Iphan, Poder Público Municipal e Corpo de Bombeiros, uma vistoria técnica no local, visando atualizar as informações relativas ao seu estado de conservação. Diante da falta de manutenção, o imóvel vinha apresentando ano após ano, desde 2010, avançado estado de deterioração, sobretudo no andar superior que ainda era ocupado até o ano de 2012 pelo Hotel Rio Branco. A vistoria acarretou no processo de interdição justamente em função da precariedade das instalações.
De 2012 a 2015 o imóvel continuava em avançado processo de deterioração, inclusive colocando em risco a integridade física daqueles que ocupavam a edificação e as pessoas que transitavam pelo local. Por isso o IPHAN orientou o proprietário sobre as medidas necessárias para a recuperação da edificação, começando pela desocupação do andar térreo, e em seguida os procedimentos necessários para impedir o avanço da degradação do imóvel. Paralelamente a esta ação, o proprietário deveria apresentar um projeto de restauração completo.
A renovação do Hotel Rio Branco
Tendo em vista a urgência apresentada na vistoria do Iphan, foi realizado o escoramento emergencial das paredes da edificação, a colocação dos tapumes com a distância necessária para cobrir o escoramento (Fig. 4 e 5, na página ao lado), garantir a integridade física dos pedestres locais, a retirada dos entulhos internos e dar início a primeira etapa do projeto de restauração que consistiu no levantamento cadastral da edificação com mapeamento dos danos existentes.
A obra continua em andamento, com o início da restauração da cobertura.O processo de restauração é minucioso e detalhado. A preocupação maior na elaboração do projeto de restauração e na execução da obra é preservar essas características arquitetônicas, assim como, os elementos estéticos e sistemas construtivos da edificação.
De acordo com os arquitetos Jean Carlo de Souza e Raphael Py e Pires do Escritório de Arquitetura Arte REAL, responsáveis pelo projeto e obra de restauração, foi necessário trocar algumas peças estruturais do telhado, devido ao ataque de insetos e umidade, porém, as novas madeiras são similares às peças originais e todos os encaixes da estrutura são reproduzidos fielmente aos existentes (Fig. 6). Peças de metal serão instaladas desenvolvidas para reforçar essa estrutura (Fig. 7). As telhas de parte da edificação, voltada para à Rua Gustavo Richard, serão mantidas, pelo seu bom estado de conservação, e por ser uma “legítima telha francesa”, importada na época da construção, da cidade de Marselha, na França (Fig. 8).
A recuperação do antigo Hotel Rio Branco possibilitará a renovação de um emblemático edifício e não se trata apenas de obra de restauração, pois os novos usos que serão dados, possibilitarão uma nova dinâmica a essa importante área da cidade, promovendo uma melhor qualidade de vida no Centro Histórico de Laguna.
(Com a colaboração da equipe do Escritório Técnico do IPHAN em Laguna).
Figura 2