(Parte final)
Nos Jogos Olímpicos impera outra lógica, diferente daquela cotidiana de nossa cultura capitalista, cujo eixo articulador é a competição excludente: o mais forte triunfa e, no mercado, se puder, engole o seu concorrente. Aqui há competição. Mas ela é includente, pois todos participam. A competição é para o melhor, apreciando e respeitando as qualidades e virtuosidades do outro.
A tradição cristã desenvolveu toda uma reflexão sobre o significado transcendente do jogo. Sobre ela quero me concentrar um pouco. As duas Igrejas-irmãs, a latina e a grega, se referem ao Deus ludens, ao homo ludens e até da eccclesia ludens (o Deus, o homem e a Igreja lúdicos).
Eles viam a criação como um grande jogo do Deus lúdico: para um lado jogou as estrelas, por outro o sol, mais abaixo jogou os planetas e com carinho jogou a Terra, equidistante do Sol, para que pudesse ter vida. A criação expressa a alegria transbordante de Deus, uma espécie de teatro no qual todos os seres desfilam e mostram sua beleza e grandeur. Falava-se então da criação como um theatrum gloriae Dei (um teatro da glória de Deus).
Num belo poema diz o grande teólogo da Igreja ortodoxa Gregório Nazienzeno (+390): ”O Logos sublime brinca. Enfeita com as mais variegadas imagens e por puro gosto e por todos os modos, o cosmos inteiro”. Com efeito, o brinquedo é obra da fantasia criadora, com o mostram as crianças: expressão de uma liberdade sem coação, criando um mundo sem finalidade prática, livre do lucro e de vantagens individuais.
“Porque Deus é vere ludens (verdadeiramente lúdico) cada um deve ser também vere ludens, admoestava, já velhinho, um dos mais finos teólogos do século XX, Hugo Rahner, irmão de outro eminente teólogo, que foi meu professor na Alemanha, Karl Rahner.
Estas considerações vem mostrar como pode ser desanuviada e sem angústias a nossa existência aqui na Terra, pelo menos por um momento, especialmente quando entrevemos na beleza das várias modalidades de jogos a presença misteriosa de um Deus lúdico. Então não precisamos temer. O que nos tolhe a liberdade e a criatividade é o medo.
O oposto à fé não é tanto o ateísmo mas o medo, especialmente o medo da solidão. Ter fé mais que aderir a um feixe de verdades, é poder dizer, na esteira de Nietzsche, “sim e amém à toda a realidade”. No seu profundo, ela não é traiçoeira e má, mas boa e bela, alegre acolhedora. Alegrar-se por participar dela o expressamos pelo jogo e, de forma universal, pelos Jogos Olímpicos. Talvez este seja seu sentido secreto.