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Revolução Farroupilha – A República Riograndense, a República Catarinense e a participação de lagunenses no conflito

A Revolução Farroupilha foi um acontecimento épico e bélico desencadeado por importantes segmentos econômicos e sociais da Região Sul, contrários ao governo imperial brasileiro, que foi deflagrada em 20 de setembro de 1835 em Porto Alegre, e que expandiu-se para toda a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e para grande parte da Província de Santa Catarina.

Foi o mais longo conflito armado ocorrido no Brasil, que durou dez anos, até 01 de março de 1845, quando foi assinado o Tratado do Poncho Verde, sem vencedores e nem vencidos.

O descontentamento pela falta de maior autonomia administrativa e a contínua imposição de nomes para ocuparem o cargo de presidente da Província nomeados pela Monarquia à revelia dos partidos políticos, das autoridades militares  e dos  produtores rurais, motivou  a revolta, cujo objetivo inicial era depor o Presidente  e substituir o processo de indicação do seu ocupante,  que normalmente  governava com mão de ferro e com ações que favoreciam exclusivamente aos  interesses monárquicos, sem nenhuma sensibilidade com as necessidades sulistas.

Aliado a este fator, o excesso de tributação incidente sobre a produção pecuária, principalmente sobre o couro e o charque, foram os fatores determinantes para a eclosão do conflito.

No dia 20 de setembro, comandados por Bento Gonçalves, os farroupilhas dominaram e tomaram Porto Alegre, obrigando a tropa imperial e o Presidente da Província – Antonio Rodrigues Fernandes Braga a retirarem-se de Porto Alegre. Em seu lugar indicaram como Presidente Marciano Pereira Ribeiro. Na sequência Bento Gonçalves remeteu ao Regente do Império um documento solicitando que o ato de rebeldia e a substituição do Presidente fosse compreendida como resposta às injustiças que o Poder Central cometia com o Rio Grande, ou então “com a espada na mão saberemos morrer com honra ou viver com liberdade…” e que “… é obra difícil senão impossível, escravizar o Rio Grande … e de sua resposta depende o sossego do Brasil … e dela  também poderá resultar uma luta sangrenta, a ruína de uma província ou a formação de um novo Estado dentro do Brasil”.

No entanto, a Regência Monárquica ignorou a postulação e manteve o nome de Antonio Braga como Presidente, mandando navios e reforços militares para combater a insubordinação, fato que obrigou os farroupilhas a proclamarem a República Riograndense em 11 de setembro de 1836, após seguidas vitórias em diversos combates. Embora Bento Gonçalves, líder dos farrapos, tenha sido preso no combate da Ilha de Fanfa, o fato não impediu que, uma vez proclamada a República Riograndense, fosse convocada uma Assembleia Constituinte, que aconteceu na cidade de Piratini, quando Bento Gonçalves foi eleito seu Presidente.

Um ano após, tendo logrado fugir da prisão, assumiu de fato suas funções de Presidente, dando continuidade ao movimento seccionista. A Monarquia concentrou sua resistência a partir da cidade de Rio Grande, único porto que existia na Província, e que não pode ser conquistado pelos farroupilhas, o que os impediu de terem contato comercial e de receberem apoio material da comunidade internacional.

Como a Jovem República constatou que sua existência dependia de acesso a um porto que lhes dessem saída para o mar, idealizaram tomar o porto de Laguna e ali proclamar uma segunda república, com dois objetivos: expandir a revolta e assim enfraquecer os esforços bélicos da Monarquia, e disporem de um porto para apoio logístico e comércio exterior.

Por ser cidade portuária de onde partiram as primeiras famílias para a ocupação portuguesa do território do Rio Grande do Sul, Laguna exercia importante influência no desenvolvimento econômico sulista, pois na Região Sul existiam apenas dois portos, e Laguna possuía um deles. E por ali escoavam a produção do charque, couros e outros produtos primários, que sofriam a mesma excessiva tributação, gerando igual sentimento de insatisfação que permeava dentre os produtores, comerciantes, religiosos e muitos oficiais militares acantonados em Lages, em São José e em Laguna, fazendo coro com a elite riograndense insatisfeita.

Em virtude destes liames que uniam riograndenses e catarinenses, logo após a eclosão da Revolução Farroupilha, a cidade de Laguna passou a produzir e a enviar pólvora para os farrapos, fato que em julho de 1836 obrigou o Ministro da Justiça do Império a exigir do Presidente da Província de Santa Catarina providências enérgicas para coibir a produção e embarques clandestinos de pólvora. Antes, ainda em Laguna, no mês de março de 1836, alguns oficiais e diversos soldados imperiais foram presos por terem se recusado a integrarem um contingente que deveria combater os farroupilhas na divisa com a Província do Rio Grande do Sul. As prisões aumentaram a insubordinação e o povo foi às ruas, exigindo a deposição da autoridade monárquica, que era representada pelo Coronel Silva França. O clima de inconformidade e de conspiração em Laguna foi de tamanha envergadura que Silva França teve que abandonar a cidade e informou justificando aos seus superiores que “convulsionado estava o distrito de Laguna pois a maioria da população comunga das mesmas ideias que agitam os filhos do Rio Grande…”

No ano seguinte, um piquete farroupilha, liderados pelo Coronel Filipe de Souza Leão, alcunhado de “Coronel Capote”, desceu dos Campos de Cima da Serra, invadiu Araranguá onde engrossou suas fileiras e  praticamente sem resistência, afugentou a Guarda Imperial, acampando  com sua tropa no Camacho e depois na Carniça (hoje Campos Verdes), de onde controlou toda a margem direita do Rio Tubarão, até o campo da Passagem da Barra. A seu comando vieram unir-se voluntariamente um considerável grupo de civis lagunenses liderados por Marcelino Soares da Silva, que comungavam das ideias republicanas. Limitados pelo número de soldados e impossibilitados de transporem o Rio Tubarão para tomarem Laguna, que possuía um grande contingente militar, permaneceram acampados aguardando os reforços para a execução do plano engendrado pelo alto comando farroupilha para invadir Laguna, que seria executado por duas frentes:  o General Davi Canabarro comandando cerca de 1200 homens marcharia por terra, partindo de Viamão, enquanto que Giuseppe Garibaldi atacaria por mar com os dois únicos e pequenos barcos da Marinha da República Riograndense: o Farroupilha e o Seival.

Singrando pela Lagoa dos Patos, mas impedido de sair ao mar pelo bloqueio imperial do Porto de Rio Grande, Garibaldi transportou seus dois lanchões por terra, colocados sobre dois carretões com rodas de mais de três metros de diâmetro, tracionados por 200 bois, que percorreram cerca de 90 quilômetros por terra, das nascentes do Rio Capivari até a Lagoa de Tramandaí, por cuja barra saiu para o mar e embicou rumo à Laguna.  No entanto, uma forte borrasca afundou o lanchão Farroupilha na foz do Rio Urussanga, salvando-se Garibaldi, mas perecendo diversos compatriotas italianos que também lutavam pela República Riograndense.

Junto à Barra do Camacho, Garibaldi encontrou o palhabote Seival que havia superado a tempestade. Para burlar o bloqueio da entrada da Barra que dava acesso ao porto de Laguna, onde a Marinha Imperial mantinha cinco barcos equipados com canhões, Garibaldi introduziu o Seival no Canal da Barra do Camacho e navegou pelo complexo de lagos até atingir o Rio Tubarão, por onde conseguiu atacar pela retaguarda  quatro navios imperiais, que surpreendidos e assustados foram facilmente derrotados, sendo  apreendidos os navios Lagunense, Itaparica, e Santana.

Na mesma tarde de 22 de julho de 1839, com 40 homens Giuseppe Garibaldi dirigiu-se para o Cais do Porto e com um último combate, assenhorou-se da cidade de Laguna, onde horas após chegaram o batalhão dos Lanceiros Negros comandados pelo Coronel Teixeira Nunes e mais tarde a tropa farroupilha comandada por Davi Canabarro.

Como comandante das forças de ocupação, Canabarro enviou à Câmara de Vereadores um documento sugerindo a proclamação de uma república independente e a secessão do Império Brasileiro, no que foi aceito por votação unanime ocorrida na sessão do dia 29 de julho. A histórica assentada foi presidida por Vicente Francisco de Oliveira e dela participaram os vereadores Domingos Custódio de Souza, Antonio José de Freitas, José Pereira Carpes, Floriano José de Andrade e Emanuel da Silva Leal, que proclamaram a independência do Estado Catarinense Livre, Constitucional e Independente, adotando o sistema republicano, que passou a ser conhecida como República Catarinense.

Até que fosse eleita uma assembleia constituinte que dotasse a República Catarinense com uma constituição, em 7 de agosto foi eleito provisoriamente o comandante da unidade militar imperial de S. José, Coronel Joaquim Xavier das Neves como seu Presidente e o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro como Vice-Presidente, que era republicano e parlamentarista convicto.

Como o Coronel Joaquim estava sendo coagido e pressionado pelo Presidente da  Província de Santa Catarina para não assumir o posto de Presidente da República Catarinense, assumiu o Vice Presidente, que imediatamente tomou diversas providencias para a formação da Republica, convocando eleições  que em 10 de agosto elegeu por voto direto da população o Corpo Governativo da República,  composto por  Antonio Jose Machado (123 votos), Vicente Francisco de Oliveira (110 votos), Joaquim José da Costa (104 votos), João Antonio de Oliveira Tavares (91 votos), Padre Vicente  Ferreira dos Santos Cordeiro (82 votos),  Antonio de Souza Medeiros (80 votos) e Padre João Jacinto Joaquim (74 votos). Foram criados apenas dois ministérios: dos Negócios da Fazenda, Interior e Justiça, para o qual foi nomeado João Antonio de Oliveira Tavares e o Ministério da Guerra, Marinha e Exterior, sendo indicado como titular Antonio Claudino de Souza Medeiros.

Em virtude da formação democrática do Presidente Padre Vicente,  que conflitava com os procedimentos ditados pelas urgências militares comandadas por Canabarro, surgiram  atritos do Comando Militar com o Governo Civil, fator preponderante que retardou o ataque a São José e ao Desterro e outras operações militares que desencadearam as consequências que ditaram a extinção da novel República Catarinense no mesmo ano de 1839, em 15 de novembro, quando foram derrotados pela Marinha Imperial na maior batalha naval acontecida em águas territoriais brasileiras.

Embora tenha sucumbida a República Catarinense e os farroupilhas tenham se retirado de Laguna, contrariando a vontade de Canabarro, o Coronel Teixeira Nunes, juntamente com Giuseppe e Anita Garibaldi, permaneceram em território catarinense, subiram a Serra Geral e junto ao Rio Pelotas, no local conhecido como Registro do  Passo de Santa Vitória, em 14 de dezembro de 1839, com apenas  quinhentos farrapos derrotaram dois mil imperiais, tomando a cidade de Lages, mas foram derrotados em 12 de janeiro 1840 no Capão da Mortandade, em Curitibanos, quando Anita foi presa.

A partir de então a Revolução Farroupilha cingiu-se ao território Riograndense e em 1842, o Governo Imperial nomeou Luiz Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, para comandar as ações com objetivo de finalizar o conflito separatista.

Depois de diversos confrontos  onde se alternaram vitórias e derrotas,  foi negociado um acordo de paz, e em 01 de março de 1845  foi proclamada a pacificação com base nas condições estabelecidas pelo Tratado do Ponche Verde, que anistiou e incorporou ao Exército Nacional todos os oficiais revoltosos, sem perda de suas patentes, tendo o Império assumido todas as dívidas contraídas pelos republicanos, além de terem reconhecido o direito das lideranças sulistas indicarem o presidente da  Província.

Embora a Revolução Farroupilha seja conhecida como ocorrida e sustentada no Rio Grande do Sul, não há como negar que sem a participação de Santa Catarina, a Revolução não teria alcançado a marca da revolta de maior duração acontecida no Brasil.

Não foi somente o território catarinense e o Porto de Laguna que serviram como expansão para sustentação dos confrontos e o enfraquecimento das forças imperiais que deram sobrevida e longevidade à Revolução Farroupilha. Houve também a decisiva participação de vultos lagunenses, que não apenas emprestaram suas inteligências e vidas nos confrontos, mas que também exerceram funções importantes em outras frentes, sustentando a república ideologicamente, seja nos parlamentos, nas igrejas, nas organizações civis e nos combates.

Além dos citados acima, centenas de lagunenses que a história insiste em mantê-los anônimos, imolaram suas vidas em prol da causa republicana.

Um destes ícones lagunenses foi o padre João Antonio de Santa Bárbara, nascido em Laguna, cujo nome original era João Inácio Pereira, ideólogo republicano com formação liberal e deputado constituinte da República Riograndense, eleito com 2841 votos, que em 1821 já havia sido eleito deputado junto às Cortes de Lisboa. Logo que eclodiu a revolta, postou-se ao lado dos farroupilhas. Era excelente tribuno, tanto em seus discursos políticos quanto em suas prédicas religiosas, em cujas oratórias externava conhecimentos doutrinários e filosóficos que davam sustentação às suas pregações em prol do regime republicano. Ao ser eleito, trabalhou ostensivamente até 1837, quando foi elaborada a Constituição da República Riograndense, tendo participado da sua promulgação. Depois da Revolução Farroupilha ter sido pacificada, foi reeleito mais duas vezes e exerceu a função de deputado provincial no Rio Grande do Sul até 1857. Mercê de sua notoriedade como professor doutrinário, teve a honra de ter o Imperador D. Pedro II como um de seus ouvintes em aula que ministrava.  Sua eloquência sensibilizou o Imperador, que em 2 de dezembro de 1845 lhe outorgou a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Cristo.

Outro expoente lagunense que teve atuação decisiva na pacificação da Revolução, foi Jerônimo Francisco Coelho, que exercia o cargo de Ministro da Guerra do Império. A história registra que o Duque de Caxias teria sido o pacificador, mas esqueceram-se de registrar que Caxias era subordinado e obedecia ordens e orientações diretamente de Jerônimo Coelho, de quem partiram as ordens e as condições  para que a paz fosse selada com dignidade,  como a que escreveu em 18 de dezembro de 1842: “ … o General em Chefe (Caxias) é autorizado a conceder ampla anistia a todos os comprometidos na luta da rebelião … e aquelas praças poderão se retirar para suas casas e as que voluntariamente desejarem ingressarem no Exército poderão ser admitidas … o General em Chefe é autorizado a dispender da quantia de 300 contos de reis para pagamento de despesa gerais … e os oficiais anistiados serão restituídos ao gozo de seus direitos militares inerentes a seus postos…”

No entanto, o maior vulto que emergiu nesta epopeica revolução, foi sem dúvida alguma a da lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro – a Anita Garibaldi, que mesmo enfrentando duros combates e as barreiras do preconceito, sua coragem serviu de exemplo nas encarniçadas lutas, motivada por sua lealdade à causa republicana, sem jamais descuidar-se do amor e da fidelidade dedicada ao seu homem e da maternidade que devotou a seus filhos. Se colacionada com as maiores expressões da Revolução, sejam farrapos ou imperais, a nível internacional, constata-se que nenhum deles alçou a incrível proeza de ser considerada heroína em dois continentes e mãe de uma pátria do outro lado do Oceano, muito distante da sua.   Combatente dos regimes despóticos, precursora do movimento republicano,  emancipacionista, indulgente com seus inimigos feridos, defensora das igualdades femininas e senhora de uma forte personalidade, erigiu um legado colossal, que pode ser mensurado pelo fato de que seus restos mortais peregrinaram em sete sepultamentos, e a simples citação de seu nome,  mesmo após sua morte, foi suficiente para despertar o ardor revolucionário que motivou a formação de  batalhões de combatentes que libertaram a Península Itálica dos   invasores que impediam sua unificação.

Por Adilcio Cadorin – Advogado, historiador, Diretor do Instituto Cultural Anita Garibaldi. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina

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