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Santa Catarina e o Brasil perdem Mário Petrelli

Sepultado ontem, 23, em Florianópolis, o empresário, presidente emérito do Grupo ND, dr. Mário José Gonzaga Petrelli. Aqui, transcrevemos parte de depoimento que deu a Equipe Memórias Paraná/Luiz Renato Ribas da Silva.

“Nasci em Florianópolis, Santa Catarina, em 31 de maio de 1935. Meu pai, engenheiro italiano, Leonardo Petrelli, veio para cá nos idos de 1903, quando talvez não tivesse 400 ou 500 engenheiros aqui. Ele iniciou seu trabalho no Rio de Janeiro, no Grupo Antônio Lage, maior empresário do Brasil, na época com estaleiros e várias empresas.

Meu pai, depois, convidado pelo engenheiro Alexandre Portela Passos, foi para a Bahia, chegou a ser Secretário de Obras, no governo Seabra, nos idos de 1920, e foi presidente da navegação baiana. Nos idos de 1923´, veio para Santa Catarina, desta vez a meta era concluir o trecho da estrada de ferro Santa Catarina.

Viúvo na cidade de Blumenau, meu pai casou-se em 1933 com Alice Guilhon Gonzaga Petrelli, minha mãe, descendente de maranhenses e de pernambucanos. Pelo lado paterno, meu pai tinha irmãos escritores e vários membros da família eclesiástica, chegando a ter dois cardeais na família Petrelli.

Talvez o motivo de meu pai ter vindo para o Brasil é que Monsenhor Santo Martino era seu tio. Naquele tempo representava o Papa na região do Rio de Janeiro. Minha mãe, Alice, descende de uma família de juristas, seu pai, desembargador Sálvio de Sá Gonzaga, foi presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, primeiro procurador do Estado, nos idos de 1930.

Em 1912, na Guerra do Contestado, Sálvio exerceu, licenciado no tribunal, a chefia de polícia das tropas catarinenses naquele embate que tantas vidas ceifou, mas que depois todos se reconciliaram, tornando-se hoje Paraná e Santa Catarina. Ele era desembargador-presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Meu bisavô, José Roberto Viana Guilhon, maranhense de nascimento, foi o primeiro presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Descendente de uma família, pelo lado paterno, de um engenheiro, porém nunca fui bom em matemática, nem aritmética, e pelo lado materno eu poderia ter seguido a carreira do judiciário, teria sido uma honra, entretanto, parti para outros rumos.

Minha mãe, que também tinha muita influência na minha vida, foi uma grande líder feminina. Era época em que as mulheres não podiam ser funcionárias públicas, nem funcionárias do Banco do Brasil, também não votavam. Ela desafiou a família e resolveu ser a primeira mulher funcionária pública de Santa Catarina, Chefe de Expediente da Secretaria da Fazenda do Estado, nos anos de 1920. O cargo dela corresponde hoje a chefe de gabinete.

Por decreto do então Governador Esperidião Amin, no centenário de Alice, foi criada a “Medalha do Mérito Profissional do Servidor Público de Santa Catarina” que leva seu nome até hoje. A honraria é distribuída anualmente e de grande valia. Os próprios servidores escolhem os melhores de cada repartição, são condecorados 100 em uma grande festa.

Eu fui o único filho do segundo matrimônio de meu pai. No primeiro matrimônio foram três filhos, um faleceu, ainda jovem na Bahia, nos idos de 1918, uma filha, que se casou com o engenheiro Gilberto Santos Neves, filho do governador Graciliano dos Santos Neves, no Espírito Santo, e meu irmão Armando Petrelli, médico, que viveu no Paraná muitos anos.

Armando foi diretor do Instituto Brasileiro do Café. Indicado no governo Nereu Ramos, continuou com Juscelino Kubitschek e foi presidente interino do mesmo Instituto. Na época, o Brasil dependia fundamentalmente desta produção. Hoje o café ainda é, depois da soja, um dos grandes orgulhos da economia brasileira agrícola.

Na minha vida infantil, por ser filho único, confesso que fui um pouco mimado, mas minha mãe, em alguns momentos, me tratava com severidade, principalmente por conta da sua formação. Ela deixou o serviço público logo que se casou. Meu irmão e minha irmã já faleceram. Restou então eu, como descendente da família Petrelli.

Juventude e adolescência – Como o meu pai, engenheiro, foi construir o Porto de Itajaí e mais tarde, em Laguna, o primeiro porto carvoeiro do Brasil em 1940, iniciei os estudos nas cidades de Laguna e Itajaí, Santa Catarina. Estudei no Colégio Stella Maris e em um grupo escolar. Ao lembrar de Laguna não posso deixar de citar Jerônimo Coelho, pai do jornalismo brasileiro e da lagunense Anita Garibaldi, a heroína dos dois mundos.

Estudei depois no Colégio Catarinense, e concluí no Ginásio Lagunense, hoje ensino fundamental, onde fui presidente de centro estudantil.

Vim para o Paraná por intuição de minha mãe. Ela dizia que eu deveria sair de Santa Catarina, pois seria mais um da família na magistratura, carreira tradicional da minha família materna. Segundo ela, aqui eu teria a cobertura do nome do meu irmão, mais velho cerca de 20 anos, Armando, que viveu no Paraná até falecer em 1975. Ele foi para mim um grande orientador, o patrono da minha inclusão no Estado.

Iniciei os estudos no Paraná em 1950, quando ocorria a primeira transição realmente política. Terminava o governo Moisés Lupion, governador eleito duas vezes, em 1947 e 1955. Entrava o professor Bento Munhoz da Rocha Neto, uma das figuras mais expressivas da história política do Paraná. Ele era filho de Caetano Munhoz da Rocha e genro de Affonso Camargo, ambos foram grandes políticos e governadores do Paraná, antes de 1930.

Lembro que os paranaenses devem ao Bento uma grande conquista. Quando primeiro secretário da câmara, em 1946, tínhamos vários territórios no Brasil: Ponta Porã, Foz do Iguaçu, Amapá, Boa Vista, Rondônia, Acre e a Ilha de Fernando de Noronha. Ele conseguiu, na Constituição de 1946, extinguir os territórios de Ponta Porã e do Iguaçu.

Com isto, Ponta Porã trouxe uma pequena parte do território paranaense e a maior parte de Mato Grosso. O território do Iguaçu trouxe de volta as cataratas. O extremo oeste do Paraná, Cascavel até a fronteira. Já para Santa Catarina, a velha Chapecó.

Quando estudei no Colégio Estadual do Paraná, uma das maiores instituições do Brasil, tive a satisfação de ter sido eleito o primeiro presidente do centro estudantil, em 1951. Terminei o meu curso clássico tendo figuras maravilhosas como professores. Posso citar o Osvaldo Arns, professor de grego, disciplina que naquela época estudávamos, junto com latim, uma preparação para o curso de direito.

Nos idos de 1927, meu pai adquiriu uma parte do            jornal “A Tarde”, de Curitiba, no tempo do Marcolino Monteiro e do Antônio Jorge Machado de Lima. Meu irmão, Armando, à época estudante de medicina, mais tarde médico e professor da Faculdade de Medicina do Paraná, era um dos proprietários, aos 23 anos. A publicação não tem relação com o jornal “A Tarde” de anos e anos depois, quando o Protásio Carvalho, foi dono e tive a satisfação de ser colunista, na época que a Câmara Municipal de Curitiba funcionava na Praça Generoso Marques e a assembleia era o velho Palácio Rio Branco.

Foi aí, que se criou a bancada de jornalista na assembleia. Eu não era um jornalista praticamente, estava aprendendo, e ao mesmo tempo me cabia fazer o relatório das atividades parlamentares da Assembleia Legislativa, pelo matutino jornal “O Dia” e da Câmara Municipal pelo vespertino “A Tarde”.

Nesta época, foi designado o primeiro prefeito pelo Bento, Erasto Gaertner, logo falecido, Amâncio Moro, depois Wallace Tadeu de Melo e Silva, pai do atual ex-Senador e ex-Governador Roberto Requião. Surge então, a eleição do Ney Braga em 1954 como prefeito. Depois, Ney faz a sua carreira política como deputado federal em 1958. Mais tarde foi governador, em 1961, e assim inicia sua monumental carreira política no Paraná e no Brasil, tendo sido, novamente, governador designado e ministro duas vezes além de superintendente da Itaipu. Na sua vida privada, a única função que exerceu foi como convidado, por mim e pelo Braguinha, para ser diretor do Grupo Atlântica Boavista por alguns anos.

Vida Adulta – Mais tarde fiz a faculdade de Direito em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná, a primeira do Brasil, graças ao talento de Hugo Simas, Niro Cairo, Vitor do Amaral e Plácido e Silva. Participei de um momento político marcante na faculdade de Direito, quando havia o Partido Acadêmico Progressista (PAP), mais de direita e conservador; o Partido Democrático Universitário (PDU), recém criado; e o Partido Acadêmico Renovador (PAR), considerado mais a esquerda e que combatia, à época, o novo governo de Getúlio e do Ministro Simões Filho, por medidas antiuniversitárias.

Em 1959, formei-me em Direito e tive a oportunidade de trabalhar na Rua Marechal Floriano 134, ao lado do Edifício do Cartório Laporte, onde também funcionou como advogado o querido Francisco da Cunha Pereira Filho, mais velho do que eu, brilhante advogado, depois grande jornalista e proprietário da Gazeta do Povo e do canal da TV Globo.

O principal advogado era o deputado Hélio Setti, casado com a sobrinha de meu irmão que também foi referência na minha vida pela sua posição política como deputado. Passei a me relacionar muito com o mundo político do Paraná e com ele.” (Continuação na próxima edição).

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