Precisamos, urgentemente, de uma ética regeneradora da Terra. Esta deve devolver-lhe a vitalidade vulnerada a fim de que possa continuar a nos presentear com tudo o que sempre nos galardoou. Será uma ética do cuidado, do respeito a seus ritmos, da compaixão e da responsabilidade coletiva.
Mas não é suficiente uma ética da Terra. Precisamos fazê-la acompanhar por uma espiritualidade. Ela lança suas raízes na razão cordial e sensível. De lá nos vem a paixão pelo cuidado e um compromisso sério de amor, de responsabilidade e de cuidado para com a Casa Comum. Bem o expressou no final da encíclica do bispo de Roma, Francisco, ao enfatizar “uma paixão pelo cuidado do mundo, uma mística que nos anima com uma moção interior que impele, motiva e encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária”(n.216).
O conhecido e sempre apreciado Antoine de Saint-Exupéry, num texto póstumo, escrito em 1943, Carta ao General “X” afirma com grande ênfase: ”Não há senão um problema, somente um: redescobrir que há uma vida do espírito que é ainda mais alta que a vida da inteligência, a única que pode satisfazer o ser humano”(Macondo Libri 2015, p. 31).
Num outro texto, escrito em 1936, quando era correspondente do “Paris Soir”, durante a guerra da Espanha, leva como título “É preciso dar um sentido à vida”. Aí retoma o tema da vida do espírito. Aí afirma:”o ser humano não se realiza senão junto com outros seres humanos, no amor e na amizade; no entanto, os seres humanos não se unem apenas se aproximando uns dos outros, mas se fundindo na mesma divindade. Num mundo feito deserto, temos sede de encontrar companheiros com os quais con-dividimos o pão”(Macondo Libri p.20). No final da “Carta do General “X” conclui: “Como temos necessidade de um Deus”(op.cit. p.36).
Efetivamente, só a vida do espírito confere plenitude ao ser humano. Ela representa um belo sinônimo para espiritualidade, não raro identificada ou confundida com religiosidade. A vida do espírito é mais, é um dado originário de nossa dimensão profunda, um dado antropológico como a inteligência e a vontade, algo que pertence à nossa essência. Ela está na base do nascimento de todas as religiões e caminhos espirituais.
Sabemos cuidar da vida do corpo, hoje uma verdadeira cultura com tantas academias de ginástica. Os psicanalistas de várias tendências nos ajudam a cuidar da vida da psiqué, para levarmos uma vida com relativo equilíbrio, sem neuroses e depressões.
Mas na nossa cultura, praticamente, esquecemos de cultivar a vida do espírito que é nossa dimensão radical, onde se albergam as grandes perguntas, se aninham os sonhos mais ousados e se elaboram as utopias mais generosas. A vida do espírito se alimenta de bens não tangíveis como é o amor, a amizade, a convivência amiga com os outros, a compaixão, o cuidado e a abertura ao infinito. Sem a vida do espírito divagamos por aí, sem um sentido que nos oriente e que torna a vida apetecida e agradecida.
Uma ética da Terra não se sustenta sozinha por muito tempo sem esse supplément d’ame que é a vida do espírito. Ele nos faz sentir parte da Mãe Terra a quem devemos amar e cuidar.
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