Leonardo Boff

As mulheres na vida de Jesus e a companheira Míriam de Magdala (Parte 1)

Jesus é judeu e não cristão, mas rompeu com o anti-feminismo de sua tradição religiosa. Considerando-se sua gesta e palavras percebe-se que se mostrava sensível a tudo o que pertence à esfera do feminino em contraposição aos valores do masculino cultural, centrado na submissão da mulher. Nele se encontram, com frescor originário, sensibilidade, capacidade de amar e perdoar, ternura para com as crianças, para com os pobres e compaixão para com os sofredores deste mundo, abertura indiscriminada a todos, especialmente a Deus, chamando-o de Paizinho querido (Abba). Vive cercado de discípulos homens e mulheres. Desde o início de sua peregrinação de pregador, elas o seguiam (Lc 8,1-3; 23,49;24,6-10; cf.E.Schlüsser-Fiorenza,Discipulado de iguais, Vozes 1995).
Em razão da utopia que prega – o Reino de Deus – que é uma libertação de todo tipo de opressão, quebra vários tabus que pesavam sobre as mulheres. Mantem uma profunda amizade com Marta e Maria (Lc 10,38). Contra o ethos do tempo, conversa publicamente e a sós com uma hereje samaritana, causando perplexidade aos discípulos (Jo 7,53-8,10). Deixa-se tocar e ungir os pés por uma conhecida prostituta, Madalena (Lc 7,36-50). São várias as mulheres que foram beneficiadas com seu cuidado como a sogra de Pedro (Lc 4,38-39), a mãe do jovem de Naim, ressuscitado por Jesus (Lc 7,11-17), igualmente a filhinha morta de Jairo, oficial romano (Mt 9,l8-29), a mulher corcundinha (Lc 13,10-17), a pagã siro-fenícia, cuja filha, psiquicamente doente, foi libertada (Mc 7,26) e a mulher que sofria há doze anos de um fluxo de sangue (Mt 9,20-22). Todas elas foram curadas.
Em suas parábolas ocorrem muitas mulheres, especialmente, pobres como a que extraviou a moeda (Lc l15,8-10), a viúva que depositou dois trocados no cofre do templo e era tudo o que tinha (Mc 12,41-44), a outra viúva, corajosa, que enfrentou o juiz (Lc 18,1-8). Nunca são apresentadas como discriminadas mas com toda sua dignidade, à altura dos homens. A crítica que faz da prática social do divórcio, pelos motivos mais fúteis e a defesa do laço indissolúvel do amor (Mc 10,1-10), tem seu sentido ético de salvaguarda da dignidade da mulher.
Se admiramos a sensibilidade feminina de Jesus (a dimensão da anima), seu profundo sentido espiritual da vida, a ponto de ver sua ação providente em cada detalhe da vida como nos lírios do campo, então devemos também supor que ele aprofundou esta dimensão a partir de seu contato com as mulheres com a quais conviveu. Jesus aprendeu, não só ensinou. As mulheres com sua anima completaram o seu masculino, o animus.
Resumindo, a mensagem e a prática de Jesus significam uma ruptura com a situação imperante e a introdução de um novo tipo de relação, fundado não na ordem patriarcal da subordinação, mas no amor como mútua doação que inclui a igualdade entre o homem e a mulher. A mulher irrompe como pessoa, filha de Deus, destinatária do sonho de Jesus e convidada a ser, junto com os homens, também discípulas e membros de um novo tipo de humanidade.
Um dado da pesquisa recente vem confirmar esta constatação. Dois textos, chamados evangelhos apócrifos, o Evangelho de Maria (edição da Vozes 1998) e o Evangelho de Felipe (Vozes 2006)) mostram uma relação extremamente afetiva de Jesus. Como homem ele viveu profundamente esta dimensão.

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