Leonardo Boff

Crer em tempos de pandemia? (Final)

Crer, no dizer de Pascal, é uma aposta de que a luz vence as trevas, de que a morte não pode aprisionar o sentido da vida e que, no fundo, em tudo deve existir algum sentido secreto e que, por isso, vale a pena continuar neste mundo. Crer não resolve todos os problemas. Como bem disse o ainda Papa Bento XVI na sua encíclica incompleta Lumen Fidei: “a fé não é uma luz que dissipa todas as nossas trevas, mas é uma lâmpada que guia nossos passos e isto basta para o caminho”.
São muitos que se confessam agnósticos e ateus mas afirmam o sentido da vida, se empenham pela justiça social necessária e veem o no amor, na solidariedade e na compaixão os bens maiores do ser humano. Quem não vive tais valores está longe de Deus, embora possam tê-lo frequentemente em seus lábios.
O bispo pastor, poeta e profeta Dom Pedro Casaldáliga recentemente falecido, expressou em pequenos versos onde está Deus: na paz, na justiça e no amor. Referia-se indiretamente àqueles que ameaçavam e matavam camponeses e indígenas e se confessavam cristãos e católicos.
“Onde tu dizes lei
Eu digo Deus.
Onde tu dizes paz, justiça, amor
Eu digo Deus.
Onde tu dizes Deus
Eu digo liberdade, justiça e amor”
Escondido atrás destes valores, paz, justiça e amor, está Deus. Eles são o seu verdadeiro nome.
Simone Weil, a judia francesa que se converteu ao cristianismo mas não se deixou batizar em solidariedade a seus irmãos e irmãs judeus e judias então condenados às câmaras de gás, nos dá uma pista de compreensão: “Se quiseres saber se alguém crê em Deus, não repare como fala de Deus mas como fala do mundo”, se fala na forma do amor, da justiça e da liberdade, está falando de Deus. Quem vive tais valores mergulha naquela Realidade que chamamos Deus e expressa uma fé em Deus.
A fé entendida assim, impõe limites e até condena toda a indiferença face aos sofredores, parentes e amigos de vitimados pelo Covid-19. Pode alguém proclamar “Deus acima de tudo” mas se não tiver compaixão e solidariedade para com todos eles, esse Deus é um ídolo e ele está longe do Deus vivo e verdadeiro, testemunhado pelas Escrituras judaico-cristãs.
Crer é aceitar que há um outro lado da realidade que não vemos mas que acolhemos como parte de nós e que nos acompanha nas labutas cotidianas. Crer é afirmar que o Invisível é parte do visível. Nós intuímos sua presença e nele vivemos e somos.

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