Leonardo Boff

É possível a fraternidade humana universal e com todas as criaturas?(I) (Final)

Como C.G.Jung já havia percebido, a vontade de poder constitui o mais perigoso arquétipo do ser humano, pois lhe dá a ilusão de ser como Deus, dispondo como quiser da vida e da morte dos outros. E arrematava: “onde predomina o poder aí não há mais ternura nem amor”. Quando se torna absoluto, o poder se mostra assassino e elimina a todos os que fazem ouvir outra voz (p.30). Ora, nossas sociedades históricas (à exceção dos povos originários) se estruturam ao redor da vontade de poder e de dominar tudo o que se apresente: o outro, os povos, a natureza e a própria vida. Ela introduz a grande divisão entre aqueles que têm poder e aqueles que não têm poder.
Enquanto prevalecer o poder como eixo estruturador de tudo jamais haverá fraternidade entre os humanos e com a criação. Como este arquétipo é humano, ele está latente dentro de cada um de nós. Em nós se esconde um Hitler, um Stalin, um Pinochet e um Bolsonaro. O próprio Lclerc confessa: “Senti despertar em mim mesmo, a besta com sua sede de vingança” (p.32). Temos que colocar sob severo controle essa figura funesta que mora em nós, se quisermos manter a nossa humanidade. Se nos entregamos à sedução do poder, quebramos todos os laços e a indiferença, o ódio e a barbárie podem ocupar todo o espaço da consciência, como está ocorrendo em vários países no mundo, especialmente entre nós no Brasil. Emergem então as figuras sinistras e até necrófilas referidas.
Quem diria que num país da velha cristandade que nos deu tantos gênios como Mozart e Bethoven, Goethe, Freud, Einstein, Marx, Heidegger, Brecht e outros tantos pudessem ter liberado o inimus homo latente dentro deles?
Esse fato dramatiza ainda mais a questão ousadamente proposta pelo Papa Francisco na Fratelli tutti: uma fraternidade universal e um amor sem fronteiras. Talvez porque desta vez, como tem repetido várias vezes:”Ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”. Pode ser que nos é oferecida pela própria Terra, quem sabe, pelo próprio universo, uma derradeira chance: ou mudamos ou a Terra seguirá girando ao redor do sol, mas sem nós.

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