Leonardo Boff

O Covid-19: não adianta só limar os dentes do lobo (2ª parte)

Com referência ao Covid-19 tudo se concentrou no vírus e tudo o que lhe pertence, até a vacina buscada desenfreadamente. Tudo isso possui o seu valor e tem que ser feito, mas não com uma visão reducionista como está prevalecendo. Considera-se o vírus em si, isolado, fora de qualquer contexto. Isso não existe nem ciência nem no novo paradigma, cuja afirmação axial é afirmar que tudo está relacionado com tudo e nada existe fora da relação, nem o coronavírus. São pouquíssimos analistas e epidemiólogos que se referem à natureza. E no entanto usando as palavras do físico quântico e um dos mais respeitados ecólogos do mundo Fritjof Capra:
‘‘A pandemia é a resposta biológica do planeta: o coronavírus deve ser visto como uma resposta biológica de Gaia, nosso planeta vivo, à emergência social e ecológica que a humanidade criou para si própria. A pandemia emergiu de um desequilíbrio ecológico e tem consequências dramáticas por conta de desigualdades sociais e econômicas; a justiça social se torna uma questão de vida ou morte durante uma pandemia como a da Covid-19; ela só pode ser superada por meio de ações coletivas e cooperativas” (FSP 12/8/2020).
Vamos dizê-lo diretamente com nossas palavras: o Covid-19 é consequência de um tipo de sociedade que criamos nos últimos séculos e que ganhou hegemonia mundial sob o nome do sistema de produção capitalista com sua versão política, o neoliberalismo e a cultura do capital. A obsessão deste sistema (na China se diz, erroneamente, de socialismo de modo chinês, mas na realidade trata-se de um capitalismo feroz e ditatorial de Estado) é colocar o lucro acima de tudo, acima da vida, acima da natureza, acima de qualquer outra consideração. Seu ideal é um crescimento ilimitado de bens materiais no pressuposto de que existem bens e serviços também ilimitados da Terra. O Papa em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa Comum” chama esta pressuposição de ‘‘mentira” (n.106). Um planeta finito não suporta um projeto de crescimento infinito.
Para alcançar este objetivo falso e mentiroso este sistema avança sobre a natureza, desfloresta, contamina solos e ares, devasta inteiros ecossistemas para expandir o agronegócio, extrair riquezas naturais, dispor de mais proteínas animais, mais grãos como a soja e o milho e assim aumentar o lucro pessoal ou corporativo.
Essa agressão sistemática recebeu uma represália da Terra-Gaia: o surgimento do aquecimento global, os eventos extremos e principalmente uma gama diversificada de vírus mortais. Estes vírus estavam tranquilos na natureza, num animal ou nas árvores. A guerra movida contra a natureza destruiu o habitat deles. Para sobreviver, estes vírus passaram a outros animais ou diretamente aos seres humanos.
Eles estão pondo de joelhos o sistema de acumulação infinita e especialmente a máquina de morte que criou com armas químicas, biológicas e nucleares que não prestam para nada no ataque contra o vírus. Esse é mínimo, quase invisível, do tamanho de 125 nanomilímetros.

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