Leonardo Boff

Um vasto “proto-estado” dentro da Amazônia (Final)

O maior patrimônio genético se oferece na Amazônia. Como dizia um de nossos melhores estudiosos Eneas Salati: “Em poucos hectares da floresta amazônica existe um número de espécies de plantas e de insetos maior que em toda a flora e fauna da Europa” (Salati, E., Amazônia: desenvolvimento, integração, ecologia, Brasiliense/CNPq, S.Paulo 1983; cf. Leroy, J.-P., Uma chama na Amazônia, Vozes/Fase, Petrópolis 1991,184-202; Ribeiro, B., Amazônia urgente, cinco séculos de história e ecologia, Itatiaia, B.Horizonte 1990, 53). Mas não nos devemos iludir: esta floresta luxuriante é extremamente frágil, pois, se ergue sobre um dos solos mais pobres e lixiviados da Terra.
Na região amazônica pré-colombiana viviam segundo o historiador Pierre Chaunu dois milhões de habitantes e em toda a América do Sul cerca de 80-100 milhões sendo que cinco milhões no Brasil.
Desenvolveram um sutil manejo da floresta, respeitando sua singularidade, mas ao mesmo tempo modificando o habitat para estimular aqueles vegetais úteis para o uso humano. Como afirma o antropólogo Viveiros de Casto:”a Amazônia que vemos hoje é a que resultou de séculos de intervenção social, assim como as sociedades que ali vivem são o resultado de séculos de convivência com a Amazônia (Sociedades indígenas e natureza, em Tempo e Presença,n.261,1992,26). E.Miranda é ainda mais enfático: “Resta pouca natureza intocada e não alterada pelos humanos na Amazônia” (Quando o Amazonas corria para o Pacífico, Vozes, Petrópolis 2007, 83). No Brasil pré-cabralino havia cerca de 1.400 tribos, 60% delas na parte amazônica. Falavam-se línguas pertencentes a 40 troncos subdivididos em 94 famílias diferentes, fenômeno fantástico o que levou a etnóloga Berta Ribeiro afirmar que “em nenhuma outra parte da Terra encontrou-se uma variedade linguística semelhante à observada na América do Sul tropical” (Amazônia urgente, op.cit. 75).
Releva notar que no interior da floresta amazônica, a partir de 1.100 antes da chegada dos europeus, formou-se um espaço imenso (diria quase um “império”) da tribo tupi-guarani. Ela ocupou territórios que iam desde os contrafortes andinos, formadores do rio, até a bacia do Paraguai e do Paraná, chegando depois ao Norte e Nordeste, descendo até o Pantanal e os pampas gaúchos.
Praticamente todo Brasil florestal, exceto algumas partes, foi conquistado pelos tupi-guarani (cf.Miranda, E., Quando o Amazonas corria para o Pacífico, op.cit.92-93). Foi criado um “proto-estado” com animado comércio com os Andes e o Caribe.
Desta forma se desfaz a crença do caráter selvagem da Amazônia e de seu vazio civilizacional.

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